Artigo de Fernando Henrique Cardoso
Escrevo antes de saber o resultado da votação pela Câmara da
autorização para que o STF possa julgar a denúncia oferecida pelo
procurador-geral contra o presidente da República.
É pouco provável que a autorização seja concedida. Houve
precipitação da Procuradoria, que fez a denúncia sem apurações mais
consistentes. Entretanto, para o que desejo dizer, pouco importa a votação: a
denúncia em si mesma e a fragmentação dos partidos no encaminhamento da matéria
já indicam um clima de quase anomia, no qual algumas instituições do Estado e
os partidos políticos se perderam.
Esta não é uma crise só brasileira. Em outros países em que
prevalecem sistemas democrático-representativos também se observa a descrença
nas instituições, pelo comportamento errático das mesmas, sobretudo no caso dos
partidos.
Mesmo nos EEUU, na Inglaterra ou na França — países centrais
na elaboração de ideologias democráticas e na formação das instituições
políticas correspondentes — nota-se certa falta de prestígio de ambas.
Não falta quem contraste as deficiências dos regimes
democráticos com as supostas vantagens dos regimes autoritários e mesmo
ditatoriais.
O contraste é falacioso: sobram exemplos de ineficiência nos
regimes autoritários, sem falar na perda de liberdade, individual e pública,
cujo valor não pode ser medido em termos de eficiência dos governos.
Nem faltam casos para mostrar o quanto podem levar ao
desastre regimes que de autoritários passam a ditatoriais, como na Turquia
atual ou, mais impressionantemente ainda, na Venezuela, onde ocorre um
verdadeiro horror perante os céus. Nela, a inexistência das garantias
democráticas se soma ao descalabro econômico-financeiro.
Não é, contudo, o caso do Brasil. Houve, é certo, a perda de
controle das finanças públicas pelo governo anterior. Mas nunca se chegou a
ameaçar diretamente a democracia. Aqui o que houve foi a generalização e a
sacralização da corrupção, com as ineficiências decorrentes, aprofundando a
perda de confiança popular no governo e na vida política.
Neste sentido, estamos imersos em um mar de pequenos e
grandes problemas e tão atarantados com eles que somos incapazes de vislumbrar
horizonte melhor. É isso o que mais me preocupa, a despeito da gravidade tanto
dos casos de corrupção quanto dos desmandos que vêm ocorrendo.
Falta alguém dizer, como De Gaulle disse quando viu o
desastre da Quarta República francesa e a derrocada das guerras coloniais, que
era preciso manter uma “certa ideia da França” e mudar o rumo das coisas. Aqui
e agora, guardadas as proporções, é preciso que alguém — ou algum movimento —
encarne uma certa ideia de Brasil e mude o rumo das coisas.
Precisamos sentir dentro de cada um de nós a
responsabilidade pelo destino nacional. Somos duzentos e dez milhões de
pessoas, já fizemos muito como país, temos recursos, há que voltar a acreditar
em nosso futuro.
Diante do desmazelo dos partidos, da descrença e dos fatos
negativos (não só a corrupção, mas o desemprego, as desigualdades e a falta de
crença no rumo) é preciso responder com convicções, direção segura e
reconstrução dos caminhos para o futuro.
Isso não significa desconhecer que existam conflitos,
inclusive os de classe, nem propor que política se faça só com “os bons”.
Significa que chegou a hora de buscar os mínimos denominadores comuns que nos
permitam ultrapassar o impasse de mal estar e pessimismo.
Infelizmente, os partidos, sozinhos, não darão respostas a
esta busca. O quadro desastroso (quase trinta partidos atuando no Congresso,
separados não por crenças, mas por interesses grupais que se chocam na divisão
do bolo orçamentário e no butim do Estado) isola as pessoas e os líderes,
enclausurando-os em partidos que se opõem uns aos outros sem que se veja com
clareza o porquê.
Penso que o polo progressista, radicalmente democrático,
popular e íntegro, precisa se “fulanizar” em uma candidatura que em 2018
encarne a esperança. As dicotomias em curso já não preenchem as aspirações das
pessoas: elas não querem o autoritarismo estatista, nem o fundamentalismo de
mercado. Desejam um governo que faça a máquina burocrática funcionar, com
políticas públicas que atendam às demandas das pessoas.
Um governo que seja inclusivo, quer dizer, que mantenha e
expanda as políticas redutoras da pobreza e da desigualdade (educação pública
de maior qualidade, impostos menos regressivos etc.), que seja fiscalmente
responsável, atento às finanças públicas, e ao mesmo tempo entenda que
precisamos de maior produtividade e mais investimento público e privado, pois
sem crescimento da economia não haverá recuperação das finanças públicas e do
bem estar do povo.
Um governo que, sobretudo, diga em alto e bom som que
decência não significa elitismo, mas condição para a aceitação dos líderes
pelos que hão de sustentá-los. Brizola, referindo-se a Lula, disse que ele era
a “UDN de macacão”, lembrando a pregação ética dos fundadores do PT.
Infelizmente Lula despiu o macacão e se deixou engolfar pelo que havia de mais
tradicional em nossa política: o clientelismo e o corporativismo, tendo a
corrupção como cimento.
Não é deste tipo de liderança que precisamos para construir
um grande país.
Ainda que venham a ocorrer novos episódios que ponham em
causa o atual governo, e melhor seria que não houvesse, de pouco adianta
substituir quem manda hoje por alguém eleito indiretamente: ao líder faltaria o
sopro de legitimidade dado pelo voto popular, necessário para enfrentar os
desafios contemporâneos.
É tarde para chorar por impeachments perdidos ou por
substituições que nada mudam. É hora de sonhar com 2018 e deixar de lado o
desânimo.
Preparemos o futuro juntando pessoas, lideranças e movimentos
políticos num congraçamento cívico que balance a modorra dos partidos e devolva
convicção e esperança à política.
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