Artigo de Fernando Gabeira
Cai ou não cai, o cara? O que é que vai acontecer por lá? As
perguntas se sucedem nas ruas e não consigo respondê-las a contento. Não
importa, também não há assim grande tensão nas perguntas. Se Temer cai, haverá
apenas uma troca de seis por meia dúzia, parecem dizer. Todos pressentem um
período medíocre, incapaz de provocar grandes paixões. Há quorum, falta quorum?
Que interesse há nisso, uma vez que os deputados já fizeram suas apostas em
cargos e emendas? E vão esperar um outro momento em que Temer se sinta com a
corda no pescoço.
As pesquisas indicam que 81% dos entrevistados querem que a
investigação sobre Temer prossiga, com todas as suas consequências. Mas essa
mesma correlação de forças não se repete no Congresso. A opinião pública é
refém dos eleitos, e eles se acham seguros para negociar. Ainda não se
convenceram de que uma catástrofe eleitoral os espera.
Mesmo num quadro tão negativo, é possível se encontrar um
certo alento. Se Dilma estivesse no governo, seria uma semana dura.
No auge de uma crise prolongada, mais de uma centenas de
mortos nas ruas, a Venezuela entra numa ditadura: um fanfarrão de camisa
vermelha dança “Despacito” e baixa o pau nos opositores. Pensei que a esquerda
brasileira, na maré baixa, fosse mais discreta. Mas alguns dos seus partidos
manifestaram seu apoio a Nicolás Maduro. Isso revela que, no fundo, o modelo
bolivariano ainda a atrai. Está implícito em certas bandeiras, como no projeto
de controle da imprensa.
Os projetos comuns no Brasil, como uma refinaria em
Pernambuco, acabaram sendo um fardo para o Brasil. Chávez tirou o corpo fora e,
no âmbito nacional, a corrupção correu solta. O governo petista mandou a Odebrecht
que, para não perder a viagem, pagou US$ 9 milhões de propina à cúpula
chavista, segundo a procuradora Luisa Ortega. A reeleição de Hugo Chávez contou
com um decisivo apoio petista, somado à grana da Odebrecht, que, na verdade,
era a grana do BNDES. Essa campanha foi narrada por João Santana e Mônica Moura
e foi orçada em US$ 35 milhões.
Incapaz de compreender seus erros internos, parte
substancial da esquerda brasileira mergulha nos erros alheios e defende um
regime autoritário, violento e isolado internacionalmente.
O Brasil nunca seria uma Venezuela, talvez pudesse chegar
perto se a crise avançasse. No entanto, a tentação de avançar nesse rumo não
abandonou a esquerda e agora, com a queda de Dilma, ficou mais evidente por que
o PT radicalizou.
O controle do Congresso, na base de cargos e verbas, é uma
tática que se desdobra até hoje. Mas não é 100% eficaz em momentos dramáticos.
O chamado controle social da mídia nunca foi palatável até para os aliados do
governo petista. A única saída foi construir uma rede de apoios com blogs e
guerrilha digital.
Resta outro ponto, presente na experiência da Venezuela, que
jamais aconteceria no Brasil: o apoio das Forças Armadas. Sem esse apoio, o
próprio Maduro já teria ido para o espaço.
Dilma pode ter sentido uma tentação de acionar os militares.
Mas os sinais que vinham de lá eram desalentadores para um projeto de esquerda.
Apesar de ressaltar seus laços ideológicos e programáticos
com o chavismo, no Brasil a esquerda não é protagonista no drama que se
desenrola. Ela apenas é um ponto de apoio de um regime brutal. As lentes
ideológicas de nada servem para tratar dos problemas que surgem com o mergulho
da Venezuela numa ditadura.
Temos fronteiras comuns. Embora num nível menor do que na Colômbia,
refugiados chegam em levas maiores em Pacaraima. Já temos um problema social na
região. Roraima depende da energia produzida na Venezuela. Talvez seja
necessário pensar em alternativas mesmo porque os constantes apagões são um
aviso.
O território dos ianomâmi atravessa os dois países. Na
década de 1990, chegamos a formar comissão mista Brasil-Venezuela para discutir
uma política comum para os ianomâmi. Mas naquele tempo, ainda que imperfeitos,
havia parlamentos com espaço para essa discussão.
Nas últimas viagens que fiz à fronteira, voltei com uma
sensação de que era preciso uma avaliação do Brasil em face do novo momento. Um
cenário provável é que a ditadura de Nicolás Maduro, produzindo mortes diárias,
vai ser um tema global tratado na própria ONU.
No momento em grandes atores entram em cena, seria bom que o
Brasil soubesse o que quer e o que precisa fazer. Caso contrário, seremos
engolfados por uma política internacional sobre um tema que envolve, de uma
certa forma, o nosso próprio território.
Não importa se Temer, Maia ou qualquer desses políticos
assuma o comando, muito menos se o período é de desesperança. Escapamos, por
exemplo, de ver um governo, em nome do Brasil, apoiar o golpe de Maduro e
recitar a cantinela da solidariedade continental contra a pressão da direita.
Pelo menos disso, escapamos. Agora, o resto está bravo.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 06/08/2017
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