Ana Maria Machado, O Globo
Uma tristeza, esse momento do país. Denúncia contra Temer
arquivada, nova denúncia esperada. A profunda crise econômica mostra que
seguimos pagando o preço da irresponsabilidade e incompetência da “nova matriz
econômica” de Dilma e Mantega, de terrível memória. O PMDB continua o de
sempre. O PSDB se esgarça, entre a gravação de Aécio e o pragmatismo que sufoca
a ética. A atual oposição — PT e outros — repete o macaco da história:
pendurado pela cauda corrupta, ri do rabo alheio. Até despencar do galho. Como
se não fosse vergonha ter indignação seletiva diante da corrupção.
As coisas têm de mudar.
Não se trata apenas de dar um basta nesse descalabro e
começar de novo, sem ao menos ter clareza de por onde iniciar. É fundamental
saber o que pretendemos recusar. E para onde queremos ir.
Também precisamos ter noção das prioridades, do que deve vir
primeiro na agenda, dos prazos que correm. Por um lado, há muita coisa a fazer
em pouco tempo, exigindo foco nítido. De outra parte, não adianta querer tudo
de uma vez, nos arriscando a não conseguir nada.
Substituir uma palavra de ordem por outra é só uma forma de
autoengano, de dar a impressão de que se está fazendo alguma coisa,
protestando. Mas pode não passar de ilusão a girar no seco, sem sair do lugar.
Os meses se escoam. Não adianta só trocar o “não vai ter golpe” pelo “fora
Temer”, e assim por diante. Já devíamos ter aprendido. O mecanismo de que
falava José Padilha é poderoso. Tudo é feito para não dar certo, o país
continuar desigual, e se manter quem já está no poder.
Algo tem de mudar, além dos slogans. Com alvos nítidos. Por
exemplo, algumas regras. E logo. As eleitorais têm de ser definidas até o mês
que vem, para cumprir o prazo constitucional de um ano antes das eleições. Os
políticos preferem nem falar nisso, deixando tudo como está. Ou piorar ainda
mais, para garantir sua reeleição — e o foro privilegiado que pode protegê-los
da cadeia, ao ganhar tempo em sucessivos adiamentos e recursos, até o possível
crime prescrever. Preferem mudar de assunto e trazer novos temas para desviar o
debate público. Nem que seja o número de tornozeleiras de Goiás.
A operação abafa contra punir os corruptos é ostensiva,
frisa o ministro Barroso. Inventam todo tipo de obstáculo às investigações.
Fingem garantir os direitos de defesa — que precisam mesmo ser mantidos, desde
que não sirvam apenas para alimentar manobras de adiamento. Ou disfarçam a
inercia sob a capa de preocupação com abuso de autoridade, a ponto de congelar a
ação investigativa antes até de começar. E propõem mudanças estratégicas no
Código de Processo Penal.
De qualquer modo, temos pouco tempo. Doações de empresas já
não são mais permitidas. Em seu lugar virá o quê? Como termos campanhas mais
baratas? Debates mais diretos? Fim do marketing? Ou virá esse famigerado fundo
de dinheiro público a rodo, que estão querendo implantar? A encobrir um jeito
legal de transferir grana para os partidos, junto com o direito de eles
escolherem para qual cacique vai nosso precioso voto. Vamos deixar?
E os partidos que se alastram feito mofo? Como vão ser
controlados? Haverá cláusula de desempenho? De que tipo? Poderão fazer
coligações? Dentro de que limites? Será possível lançar candidaturas
independentes, de gente que não esteja filiada a qualquer partido? Em vez de se
adotar o voto distrital ou misto, vai se consolidar o Distritão, para que tudo
fique como está? Quem esclarece a diferença entre um e outro?
A Lei da Ficha Limpa ainda vale? Ou vai se fingir que ela
não existe? Ao menos desistiram da emenda Lula, do deputado petista Vicente
Cândido, que ia blindar candidatos réus nos oito meses antes da eleição. Valeu
a pena reagir... Mas muitos dos ingênuos que pensam protestar se calaram.
Para atuar politicamente com eficiência, é melhor sair da
inércia gritadeira de slogans. Começar a pressionar os políticos que achamos
honestos (em qualquer partido, se é que existem) para que mudem o mecanismo que
perpetua a corrupção. Não mais insistir nessas cruzadas de moralismo
superficial a exagerar eventuais escorregadelas da Lava-Jato ou deslizes da
mídia ( e eles existem). Há que ter um pouquinho de jogo de cintura que nos
leve adiante. Temos de descobrir possibilidades de fazer alianças e aumentar a
resistência.
As pesquisas de opinião mostram um descrédito geral. Segundo
as mais recentes, 94% da população reprovam Temer, 90% não querem saber de
Aecio, 80% rejeitam Lula, 67% execram Alckmin.
Podemos aprender com a experiência alheia. Nos EUA, as exigências
de pureza ideal fizeram com que eleitores democratas, que só admitiam Bernie
Sanders e se negavam a aceitar Hillary, ajudassem a eleger Trump.
Não adianta esperar o candidato dos sonhos. Salvador da
pátria não existe. Cabe a nós a função de tocar para a frente. Quem não quiser
ficar reduzido a ter de se jogar em um colo populista vai precisar engolir uns
sapinhos. Melhor examinar girinos com antecedência e considerar alternativas,
do que vomitar e chorar diante da urna.
Ana Maria Machado é escritora
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