Do EL PAÍS
Marina Silva está de volta, por terceira vez, ao debate
eleitoral brasileiro. Por ora, como pré-candidata. Quer ser a presidenta da
República do Brasil que vai superar a polarização da sociedade, reunindo o
melhor que cada partido pode aportar ao país. Marina, a ambientalista que
ajudou a fundar a Rede Sustentabilidade, persiste. A exemplo do ex-presidente
Lula, que concorreu três vezes até chegar ao Planalto na quarta, Marina teima.
Levanta a bandeira do diálogo republicano para mudar o rumo da prosa num país
que acumula rancor pelo futuro glorioso que nunca chega. Vinda de uma família
pobre e numerosa, a exemplo de Lula, Marina sabe o que é furar o bloqueio do
destino. Sua história sensibiliza. A superação da pobreza, o aprendizado da
leitura aos 14 anos, a militância pelo meio ambiente. A carreira política e a
projeção internacional. "Vamos fazer um debate em torno de propostas para
que o eleitor analise a trajetória de vida de cada um”, diz ela.
Diferentemente do ex-presidente, ela quer abreviar seu tempo
de espera para alcançar o Planalto. Chega nesta eleição trazendo uma mensagem,
a priori, óbvia, que caracterizou sua campanha em 2010 e 2014: construir pontes
com adversários, elevar o patamar de ética pública na condução do Executivo.
Diálogo, diálogo, diálogo. Sair da dinâmica do toma lá dá cá. Tirar o país da
cultura do ódio que se estabeleceu nas ruas. Há quem diga que Marina está numa
posição confortável, de ataque aos que estão sob os holofotes, apenas apontando
os erros de seus adversários. É criticada, também, por ter apoiado Aécio Neves
em 2014, o impeachment de Dilma em 2016, a Lava Jato, e agora, mais
recentemente, por não ter se posicionado enfaticamente contra a intervenção
federal do Rio de Janeiro, muito embora a Rede tenha soltado uma nota
contundente a respeito do assunto. Ela já se acostumou a críticas, e não se
importa de confundir seus detratores: defende pautas consideradas de esquerda
para alguns, e de direita para outros. “O Brasil não precisa de mais ódio, mais
separação, mais violência. O Brasil precisa se unir em torno do que interessa”,
diz ela ao receber o EL PAÍS, na sede da Rede, em Brasília.
O que deveria ser óbvio, porém, é algo profundamente
desafiador para um país que se decepcionou com políticos eleitos sob o discurso
da ética, e que depois demonstraram a perversidade do jogo político. Com o
desenrolar da Lava Jato, entraram tempos bélicos, com eleitores tomados pela
ira contra representantes da sua classe. Marina tem pouco tempo de propaganda e
parcos recursos para campanha. Mas está confiante. “O debate que precisamos
fazer hoje é o de uma transformação que não se encerra na eleição”, diz.
Pergunta. Você esteve em 2010 e 2014 concorrendo à
presidência em campanhas presidenciais marcantes, com votações expressivas. O
que a pré-candidata Marina de 2018 aprendeu com a experiência dessas duas
eleições?
Resposta. Aprendi que vale a pena a gente persistir na
verdade e não vale a pena fazer de tudo para ganhar uma eleição. A forma como a
gente ganha determina a forma como a gente governa. Se ganha mentindo, governa
mentindo. Se ganhar roubando, governa roubando. Se ganhar com violência,
governa com violência. Vale a pena persistir em falar a verdade, em estabelecer
o diálogo, em não ter postura de agressão, para não ganhar o poder a qualquer
custo e a qualquer preço. Isso se confirmou nas duas eleições, principalmente
em 2014, depois da catástrofe que aconteceu com nosso país, depois de uma
campanha que fez tudo para ganhar a eleição. Eu dizia que preferia ganhar
ganhando. E se não fosse assim, perderia ganhando. Dilma e Temer ganharam
perdendo, e quem perdeu mais foi o povo brasileiro. São 12 milhões de
desempregados, índices de violência cada vez mais altos no Brasil inteiro, a
segurança pública um caos. Só ver o que acontece no Ceará, no Tocantins, no
Amazonas e no Rio de Janeiro, e em todas as unidades da federação. Espero que
hoje os brasileiros não se deixem levar pelas estruturas. Mas façam contraponto
muito forte a elas.
P. Você coloca bastante ênfase no papel que a sociedade
exerce e avanços que têm a chancela popular, como Todos pelo Educação, Ficha
Limpa, etc. Mas essa mesma sociedade é suscetível a quem hoje inflama a cultura
do medo, e que tem mais recursos do que você, como candidata. Sua estratégia
tem sido trabalhar a linha do bom senso, como em 2010 e 2014. Vai dar certo
agora?
R. A mesma estratégia de não apostar na polarização, na
mentira e no medo vai permanecer. Até porque eu não posso acreditar que uma
vitória baseada nessa prática política possa construir alguma coisa boa. Nunca
o Brasil precisou tanto quebrar a polarização como agora, nunca se precisou
tanto criar condições para que as velhas estruturas sejam derrotadas. Do
dinheiro, do marqueteiro. A violência que você cita acontece em dois níveis.
Num que aponta que se você não votar naquele projeto e naquele grupo você vai
perder todos os direitos e conquistas que você já alcançou. Isso também é uma
forma de violência. Porque é pensar política como dádiva, como favor. E pensar
o cidadão como eterno devedor, que terá de pagar com o seu voto. O outro lado
também é aquela política que infantiliza o eleitor. 'Fica aí que eu faço e
aconteço por você, arrebento por você, falo e penso por você'. Precisamos de um
amadurecimento político, onde a sociedade tem seu papel, sua responsabilidade,
e essa campanha será a da hora da verdade.
P. De qual verdade estamos falando?
R. A verdade que empresários – não todos –, políticos – não
todos – cometeram crimes gravíssimos contra o orçamento público e os interesses
da sociedade. A verdade de que a polarização levou o país para o fundo do poço.
E a verdade que o cidadão agora sabe de tudo isso. O cidadão pode ter agora uma
atitude clínica, como diz o [filósofo polonês Zygmunt] Bauman, ou uma atitude
cínica. Tenho fé em Deus, e na consciência do povo brasileiro, que ele tenha
uma atitude clínica, de chamar para si a responsabilidade. Neste momento o povo
brasileiro poderá, com o apertar da tecla no dia da eleição, demitir todos
aqueles que usurparam a sua confiança, roubaram seu dinheiro, sua esperança.
Uma situação de desequilíbrio muito grande, porque PT, PMDB, PSDB e DEM fizeram
acordos entre eles, para evitar que a sociedade faça qualquer tipo de mudança
que não esteja por dentro de seus leitos. O tempo de televisão maior é pra
eles, recurso eleitoral é maior pra eles. Para bloquear qualquer possibilidade
de que a sociedade possa fazer a mudança.
P. Mas e agora, como fica?
R. O povo brasileiro é maior que a montanha de dinheiro, o
tempo de TV e o marqueteiro. Acredito nisso e vou trabalhar por isso com
tranquilidade. Não acho que para ganhar a eleição a gente tem que destruir as
pessoas. Cada um tem o direito de se colocar. E vamos fazer debate em torno de
propostas para que o eleitor analise a trajetória de vida de cada um. O projeto
que representamos, o que pensamos para manter as conquistas do passado e
corrigir erros, resolver problemas graves que estão acontecendo, caso de
segurança pública que leva a aumentar a violência e a situação de descontrole.
E o desemprego ceifou as esperanças de cada pessoa cuidar da sua família. Tem
muito candidato que faz campanha olhando para o retrovisor. Sem deixar de olhar
para trás, mas coisas ruins que podem ser pedra no caminho, olhar para o
presente, resolver os problemas, e olhar para futuro, para um novo ciclo de
prosperidade econômica, social, cultural, política e de valores.
P. Suas colocações, e a filosofia da Rede pegam um público
jovem. Mas como um partido pequeno de poucos representantes pode concorrer com
as bancadas de MDB ou PT?
R. Espero que haja grande renovação no Congresso e no
Executivo, tanto nacional como na maioria dos Estados. E essa história de
partido grande e partido pequeno... precisamos aprofundar melhor esse debate.
Olha a situação em que está o Brasil. Quem foi que levou o Brasil a essa
situação? Os partidos grandes! As bancadas grandes. Logo, o tamanho do partido
e da bancada não é sinônimo de bom governo, de boa gestão publica, ou de bom
serviço prestado ao cidadão. Pelo contrário, passou a ser sinônimo, na maioria
dos casos, de articulação criminosa para roubar a Petrobras, fundos de pensão,
a Caixa Econômica, o Banco do Brasil, Belo Monte. Quando digo que a sociedade
tem um papel, é porque eu acho que só ela pode criar um novo ciclo na política
brasileira.
P. De que forma exatamente?
R. Muita gente acha que é primeiro mudar as estruturas para
depois mudar a política. Acho que primeiro precisa de uma mudança de postura. E
mudar esses parlamentares que estão aí numa grande quantidade. Mudar o
Executivo para que haja uma nova qualidade principalmente no sentido da ética
pública. A sociedade já deu grandes contribuições do ponto de vista prático. Na
saúde, na educação, no meio ambiente, até na política econômica. Nos direitos
humanos. Na questão indígena, no combate a fome, e agora é convocada para dar
uma grande contribuição na inovação política. A renovação de quadros tem que
vir lastreada de inovação política. Porque a reforma política que foi feita vai
na contramão da inovação e renovação. Foi feita para dar mais poder e dinheiro
aos partidos, e mais possibilidade de controle dos caciques. Seja de Executivo
ou Legislativo. Num momento em que surge um novo ativismo no mundo, autoral,
das pessoas, eles estão na velha lógica das velhas estruturas do século XX,
final do século XIX. É repensar qual é a visão que conduz a essa nova dinâmica,
à política cultural civilizatória, qual processo faz com que pessoas se
integrem, para não ser uma sociedade tão fragmentada que não leva a lugar
algum. O debate que precisamos fazer hoje é o de uma transformação que não se
encerra na eleição. A eleição é um momento de tudo isso. Pode dar grande
contribuição.
Hoje, a Rede Sustentabilidade conta com quatro deputados e
um senador. Mas, o noticiário político dá como certo que Alessandro Molon
(Rede-RJ) e Aliel Machado (PR) devem migrar nos próximos dias para o PSB,
partido pelo qual Eduardo Campos e Marina concorreram à eleição em 2014. Foi
com a morte de Campos que Marina assumiu a cabeça de chapa, alcançando 22
milhões de votos. Em 2010 haviam sido quase 20 milhões. Se por ventura a
notícia da saída dos deputados, aventada desde o ano passado, se confirmar,
Marina não teria o mínimo de cinco representantes no Congresso, que lhe
garantiria espaço nos debates eleitorais na TV. Mas, segundo o jornal O Estado
de S. Paulo, a Rede agora tenta atrair novos filiados. Mesmo nessa troca de guarda,
seu tempo de programa ainda seria minúsculo, com menos de 15 segundos, tempo
este que poderia crescer a partir de alianças partidárias. Uma delas poderia
ser o próprio PSB.
P. Vamos imaginar que Marina Silva ganha a presidência.
Apoia uma reforma da Previdência, trabalha o ajuste fiscal, e você vive um
momento de popularidade baixa. E aí, o Congresso aproveita e não quer aprovar
projetos importantes. E negociam barganha: “aprovamos se você liberar tal
emenda”. Como a presidenta Marina reagiria a uma chantagem do Congresso?
R. Primeiro que um presidente não deveria ceder jamais a uma
chantagem. Numa República, um representante da sociedade, que é o Congresso,
jamais deve chantagear. Esse é o novo requerimento. Nós precisamos refundar a
República. Não consigo imaginar um país que naturaliza a chantagem. Os que
chantageiam e os que são chantageados. Os que corrompem e são corrompidos. Em
que se naturaliza como única forma de governar esse tipo de prática. Participo
sem vale tudo para ganhar, pois se ganhar quero estar legitimada para fazer as
mudanças que o Brasil tanto precisa. Tenho certeza que isso é totalmente
possível. Fui ministra do Meio Ambiente durante cinco anos e meio, aprovei
projetos altamente relevantes para o resultados das políticas ambientais que
hoje são reconhecidos e premiados no mundo inteiro, e nunca fiz qualquer tipo
de barganha. Sempre foi na base do convencimento. Quando aprovei a lei da Mata
Atlântica, a lei de gestão de florestas públicas, a criação do serviço
florestal brasileiro, que tinha o objetivo de se tornar a Embrapa das floresta
( infelizmente foi parado com tudo), a criação do instituto Chico Mendes, e
posso citar uma série de projetos relevantes também na base de convencimento. E
olha que eu não era a pessoa que tinha mais popularidade no Congresso.
P. Por quê?
R. Porque eu sempre fui militante das causas ambientais, da
educação, de direitos humanos, causa indígenas, mas graças a Deus consegui
dialogar com diferentes partidos, e nunca na minha vida encontrei qualquer
pessoa que me viesse fazer uma proposta antirrepublicana. Nunca. Não se pode
baixar a guarda. Quando você baixa a guarda dos procedimentos republicanos,
acontece o que aconteceu no Brasil. A sociedade precisa de quem dialoga, de
quem compõe. E não é errado compor governo, pode fazer isso sem ser no base no
toma lá dá cá, mas no base do programa, dando crédito inclusive para aquela
liderança política que está à frente da saúde, da educação, da segurança
pública. O problema é que as pessoas querem privatizar a popularidade. Eu não
acredito no poder centralizado, acredito no poder diluído. Se tenho um bom
ministro na Educação, é com esse trabalho que ganhará nome, mesmo sendo de
outro partido. Não tenho problema em partilhar crédito, porque política não se
faz sozinho. E os partidos políticos têm bons quadros, o setor privado também.
A sociedade, a academia, os trabalhadores... eles estão no banco de reserva e
quem entrou em campo entrou para fazer gol contra. Está na hora de botar em
campo quem vai fazer gol a favor do Brasil e na rede, literalmente na Rede.
Marina ri, discretamente, do seu jogo de palavras. Na sede
do partido, num velho edifício comercial da região central em Brasília, ela já
havia recebido diversos jornalistas, seguindo uma sequência de entrevistas, que
iniciou há algumas semanas. É uma maneira de se expor até que os tempos de
campanha cheguem oficialmente, a partir de 16 de agosto. Será uma campanha
curta e muito disputada, inclusive com o jogo sujo das notícias falsas. Mas
ela, criticada por seu excesso de discrição diante de temas substanciosos, já
começou a falar como a candidata da Rede.
O QG do partido é modesto, instalado num edifício onde se
encontram a sede de sindicatos trabalhistas, lojas de eletrônicos, farmácia, e
escritórios. Poucos dias antes da entrevista, uma parte de um viaduto havia
caído perto dali. O orçamento da ex-ministra do Meio Ambiente para avançar na
corrida eleitoral também é modesto, assim como seu tempo de propaganda. A Rede
deve contar com cerca de 10 milhões de reais do fundo eleitoral para bancar a
campanha. PT e PMDB, por exemplo, terão mais de 200 milhões cada.
P. Você tem pouco dinheiro para campanha e pouco tempo de
televisão. Existe alternativa de aliança para que você possa ampliar seu tempo?
R. Tenho feito um esforço de dialogar com os diferentes
partidos, numa atitude de respeito porque é um momento difícil e cada um coloca
a possibilidade de ter candidatura própria. Venho dialogando com os partidos
com os quais caminhamos juntos em 2014. Mas com respeito, pois é eleição em
dois turnos e aí partidos têm direito de encaminhar o que eles acham que é a
sua contribuição genuína para o momento de primeiro turno. Não se pode tratar a
eleição de primeiro turno como se fosse a única. Não preciso ser inimiga do Ciro
Gomes, do Joaquim Barbosa, se ele for candidato, de quem quer que seja o
candidato que esteja dentro desses requerimentos. Torço para que haja uma
renovação na política. Vejo como promissora a iniciativa de segmentos da
sociedade começarem a participar do processo político colocando candidaturas
que não costumeiramente estavam nos cânones dos partidos. Mas temos de ter um
certo cuidado porque uma coisa é ir por um percurso. Deputado, senador, etc.
Outra coisa é algo como a Dilma, que foi direto para a presidência da
República. E outras experiências. Temos de ir aprendendo. Mas eu saúdo a
iniciativa de quem quer contribuir para melhorar e se dispõe como quadros
novos.
P. Entre outsiders que rondam as eleições, o Luciano
Huck é um apresentador de TV e o cogitam
para a presidência, incluindo FHC validando. Não é estranha essa validação do
ex-presidente?
R. Acho [positivo] o movimento de querer contribuir com o
debate, estimular candidaturas, como o Huck diz que irá fazer, e eu não tenho
por que duvidar da palavra dele. Ele mesmo já disse que não é candidato, acho
legítimo. Neste momento de tanto descrédito, se ele já disse que não é
candidato, e inicia um debate de processo político, não o diria com tanta
veemência para depois voltar atrás. Acho que participa de forma legítima, de um
processo cidadão para estimular candidaturas cidadãs.
P. Não vê a chance de ele vir a dizer que é candidato?
R. Ele mesmo disse 'não' com todas as letras. Sou daquela
compreensão de que na democracia todos têm direito de se colocar se estiverem
de acordo com a lei da Ficha limpa. Obviamente que temos de ter todos os
cuidados. Vamos colocar quem não é político... Não deu certo com a Dilma. Tem
aquilo “ah, é um gestor que está acima do bem e do mal”. Mas eu saúdo os que
querem melhorar a qualidade da política, não tenho por que ficar duvidando do
que o Luciano diz que não é candidato. E como cidadão, tem direito de mostrar o
que acha melhor para o Brasil.
A entrevista com Marina foi feita dias antes de o nome de
Huck voltar à baila, com as especulações de que anunciaria, por terceira vez,
se seria ou não candidato. Embora Marina tenha dito que não tinha por que duvidar
da palavra do apresentador, o próprio duvidou de suas certezas, pelo que
descreveu no artigo publicado na Folha de S. Paulo, no último dia 18. “... por
mais coerente que eu tente ser, não posso esconder que o coração se encheu de
força, a cabeça de ideias e que todas as intempéries e adversidades que os
amigos mais queridos apontavam incessantemente, encolheram e ficaram minúsculas
por alguns instantes.” Embora tenha dito por terceira vez publicamente que não
é candidato, sua hesitação deixou aberta, novamente, a porta para as
especulações.
P. Falando de Lula, uma edição da revista Época mostra que
TRF-4 foi mais severo com ele do que em outros julgamentos similares, o que
abre especulações. A sua leitura é que a Justiça foi feita?
R. Temos um processo longo de investigação, em que foi
assegurado ampla defesa. E que ainda tem recursos cabíveis para revisão das
penalidades aplicadas, de acordo com requerimentos legais. Não podemos ter
atitude de rebelião contra a Justiça. Ou criaremos dois pesos e duas medidas. O
problema é que temos altos empresários e lideranças políticas sendo julgadas, e
não temos o equivalente para os que estão escondidos no Executivo e no
Legislativo dentro do foro privilegiado. É isso que está criando a anomalia.
Tem 200 deputados e senadores que deveriam ser igualmente investigados e
punidos, mas não estão em função do foro privilegiado. Eles podem julgar seus
próprios crimes. Temos pessoas que estão no Executivo sem investigações. Caso
do presidente, se não tivesse foro, seria investigado pelo Supremo. Não fosse o
toma lá dá cá, que garantiu o caso arquivado. Temos de acabar com foro para que
todos aqueles que cometeram erros, assegurada a ampla defesa, sejam
investigados e julgados. Não acho que alguém por ser citado ou ser investigado
já é culpado. Só digo que temos que respeitar o trâmite judicial e fazendo
todos os esforços de que sejam decisões técnicas, investigações que levem a um
veredito legal, ético, em todos os sentidos.
P. Nós vimos o fortalecimento da bancada ruralista no
Congresso, assim como a bancada da bala, e a chamada da bíblia, inclusive com
vários falsos profetas. Como lidar com esses retrocessos em meio ambiente e
diretos de mulheres e até o fim do estatuto do desarmamento proposto por este
grupo?
R. Esse risco está posto, as pressões acontecem, no Governo
da Dilma e do Temer. Eles cederam sobremaneira, porque a primeira coisa que
negociam é a agenda ambiental, indígena, dos direitos humanos. Direitos que não
deveriam ser negociados. Um governo que tem credibilidade, legitimidade, ele
terá que fazer a mediação entre os diferentes interesses. Não é errado ter
interesse. O erro é quando o interesse de algum se sobrepõe de maneira
ilegítima e espúria sobre o interesse dos demais. Num governo democrático você
dialoga com todos os segmentos. E paga o preço por assumir posição. Nesse
presidencialismo de coalizão que nós temos, enquanto estava com figuras fortes,
como Fernando Henrique – pode-se ter discordância —, ou Lula – pode-se ter
discordância também – eles conseguiam liderar governos. Tivemos problemas de
compras de votos de reeleição (FHC), do mensalão, com Lula. Mas no caso de
governos fracos, como é o caso de Dilma e Temer, então, a chantagem campeou
porque esses governos não conseguiram outra linguagem que não a toma lá dá cá.
O governo legitimado pelo respaldo da sociedade tem de usar sua credibilidade
para fazer o que é estratégico pelo país.
Marina se declara contra a reeleição por ver neste mecanismo
uma porta de entrada para oportunismos que prejudicam a democracia. Em sua
visão, as pessoas acabam sobrepondo limites éticos para garantir mais tempo no
poder. “Quem decide o tempo de validade é o cidadão”, diz ela. Lembra da época
em que emissários tucanos aventavam que o partido precisava ficar 20 anos no poder.
Depois, veio o PT com o mesmo objetivo. E para lograr esse objetivo, vende-se a
alma de um país. “Se precisa negociar interesses espúrios contra os índios, é o
que vão fazer. Se precisa fazer interesses tem que atacar cofres públicos e
roubar Petrobras, eles vão fazer”, reclama Marina, para quem um Governo deveria
ter cinco anos, e abrir caminho para alternância de poder, ainda que o partido
no poder concorra.O que não dá para ser é personalizar os Governos. “Nós não
podemos criar uma lógica de que isso [um Governo] só funciona com um grupo.
Pois isso acaba com a democracia. Temos de combinar as duas coisas”, diz ela.
P. De que forma se combinam as duas coisas?
R. Institucionalizar as conquistas, transformar as
conquistas em direito, em leis que possam ser cumpridas independente dos
partidos, do governo ou dos lideres. No Brasil e na América Latina e nas
democracias ainda não amadurecidas as pessoas fulanizam, partidarizam as
conquistas para ganhar dividendos com aquilo que é de todos. E trabalham com a cultura
do medo, da violência, fazem as pessoas trocarem as suas liberdades para
fazê-las mudar de opinião, fazer sua escolhas por segurança. Se eu não votar
eternamente nesse, vou perder meu emprego, meus estudos? Meu programa de
transferência de renda? Isso não é cidadania. Não acredito em políticos que
tratam direitos como se fossem favores. Temos de amadurecer nossa democracia.
Por isso pago um preço, falo claramente o que penso. Vejo políticos que fazem a
política de camaleão. Fala de acordo com o público. A estratégia é enganar o
eleitor. Em cima de princípios e valores duradouros podemos fazer alianças
pontuais.
P. Você sempre
defendeu a Lava Jato e o papel que a força tarefa tem exercido no
Brasil. Vivemos a revelação de que os juízes Moro, Bretas e o chefe da
força-tarefa, Deltan Dallagnol, recebem auxílio moradia, mesmo tendo casa
própria. Num momento em que o papel da ética está sobre a mesa, isto não soa
como ética relativa?
R. Nós temos de fazer o aperfeiçoamento das nossas
instituições. As contribuições que vem sendo dadas para o combate à corrupção
não podem ser invalidadas em função dos aperfeiçoamentos que devem e precisam
ser feitos em cada um dos poderes. Não temos a pretensão de anular a
Constituição Federal pois com certeza dentre os que votaram, havia alguns que
não tinham alinhamento com os valores republicanos dela. Temos de fazer
corretamente essa separação. Ou daqui a pouco estamos fazendo a política de que
um se esconde atrás do erro do outro. Vamos nos fortalecer nos acertos de cada
um, no varejo para ver se fazemos uma grande mudança no atacado. E vamos
combater os erros que existem no Executivo, Legislativo e Judiciário no
atacado. Quem está dando a melhor contribuição nesse sentido, mais uma vez, é a
sociedade que ajudou a aprovar a Lei da Ficha Limpa, e também por ela não se
permitiu aprovar a lei de abuso de autoridade para intimidar a Justiça. E será
graças à sociedade que, acho, se criará algum mecanismo de controle social do
Judiciário, ressalvada a autonomia desse poder. Nós não podemos ter uma justiça
tutelada e nem de encomenda. Precisamos de uma Justiça de acordo com sua
autonomia.
P. Mas essas notícias lhe incomodaram? O auxílio moradia lhe
incomodou?
R. O correto é não ter esse tipo de privilégio para ninguém,
assim como não ter foro privilegiado.Nem para o Executivo, nem Legislativo nem
Judiciário. Tudo que vem à tona é para ir separando o que são erros de
privilégios legais, e outros erros daqueles problemas ilegais. Privilégios
combatidos com a lei para que a lei seja igual para todo mundo.
P. Você já disse que hoje não apoiaria Aécio Neves, como o
fez em 2014, com as informações que se dispõe dele. Você também sempre se disse
favorável ao impeachment da ex-presidenta Dilma. Mas, de lá para cá nossa
democracia sofreu abalos, houve queda na qualidade democrática. Isso não lhe
faz rever sua posição sobre o impeachment também? Você não teme ser vítima de
um processo similar num Congresso hoje?
R. Com relação ao Aécio, com as informações de hoje, não
teria apoiado assim como acho que a maioria do povo brasileiro não teria votado
nem nele nem na Dilma porque ambos participaram do mesmo assalto aos cofres
públicos. Em relação ao impeachment, houve um crime de responsabilidade e ele
não pode ser secundado, foi em função dele que a presidente Dilma foi cassada.
Já tivemos outro presidente cassado também, com o Fiat Elba do Collor. Se as
pessoas vão agir de forma oportunista em determinadas circunstâncias de fazer a
cassação de um mandato sem ter nenhuma materialidade para fazê-lo, espero que
não. Não acho que a mobilização da sociedade para cassar quem comete crimes
contra a nossa Constituição diminua a democracia. O que diminui a democracia é
o que leva governantes a desrespeitarem as leis. É o que está sendo feito com a
liberdade que conquistamos para assaltar a Petrobras, Caixa, etc. Isso diminui
a democracia. A mobilização do povo é o que está salvando a democracia. As
instituições que estão funcionando a duras penas também.
P. Setores da sociedade temem seu nome por você ser
evangélica. Como você pensa em falar com grupos, como o LGBT, e trabalhar o
preconceito que existe pelo fato da sua religião ser pública?
R. Tem de tratar com tranquilidade porque as pessoas têm o
direito de querer saber as opiniões, posições em relação àquele que vai se
dirigir a todos os brasileiros.
P. Existem riscos de retrocesso?
R. A resposta, você mesma já deu. Há um preconceito pelo
fato de ser evangélica... as pessoas têm o mesmo cuidado em relação aos
católicos? A outros credos? Claro que determinadas situações que até vão na
contramão nesse modo que foi a grande contribuição do mundo evangélico para a
abertura do Estado – não esqueçamos que estamos fazendo 500 anos de reforma
protestante. Quem estabeleceu e ajudou a separar Estado e Igreja para Estado
laico, e trabalhou tanto para que não houvesse a educação apenas
confessional....
P. ...Sim, mas temos representantes no Congresso que
trabalham por retrocessos de conquistas.
R. Não podemos trabalhar com rótulos. O fato de termos
algumas pessoas com algum tipo de atitude com a qual eu não concordo... não
posso generalizar para todas as pessoas que não têm fé. Então temos de tratar no
mérito. Defendo Estado laico, porém não é Estado ateu. Estado laico respeita os
direitos dos cidadãos, seja ele que crê, que não crê, seja ele que é homem ou
mulher, independente de orientação sexual. Estado é para atender as políticas
públicas. E não imagino que depois de tanta luta para que tivéssemos um Estado
laico iríamos reeditar a ideia de um Estado teocrático. A própria reforma
protestante deu essa contribuição. Eu tenho tranquilidade porque tenho a minha
fé. Não preciso escondê-la. As pessoas têm de votar em mim sabendo quem eu sou.
Não gosto de fazer prática de um discurso para cada público. Já disse que em
cima de valores e princípios éticos duradouros podemos fazer alianças pontuais.
Eu não concordava com tudo que a Marta Suplicy defendia quando eu era do PT mas
isso nunca me impediu de fazer suas campanhas. Eu não concordava com tudo com o
[Fernando] Gabeira, e isso não me impediu de apoiar sua candidatura. O direito
de expressão não é só para os que creem mas para os que não creem. Então, vamos
fazer o debate. Meu programa de 2010, 2014 sofreu muitos ataques e eu diria que
foram injustos. De longe fui a que mais apresentou propostas respeitosas com a
comunidade LGBT, o que não significa que eu tenha de negar a minha fé e os
valores nos quais acredito.
P. Ainda que não falemos em polarização, a Rede está mais a
esquerda, não?
R. A Rede está à frente. Hoje essa coisa de esquerda e
direita não diz muita coisa. A esquerda se junta com Maluf, com Sarney, Jader
Barbalho, Amazonino, Renan... com Collor. As pessoas têm complexo, as pessoas
têm síndrome de rei Midas, que achava que tudo que tocava virava ouro. Tem
gente que acha que tudo que toca está purificado. Temos de pensar em novas
sínteses. O socialismo humanista deu grandes contribuições. Chegamos aqui por
contribuições do ideário da revolução francesa e avanços tecnológicos da
revolução industrial. E hoje já estamos em outra fase. Será que vamos continuar
nos situando dentro dos mesmos paradigmas? As coisas não são 100% cinza ou
azul. Temos de saber trabalhar com a complexidade da vida e do mundo. Não gosto
dessa relativização. Se estiver com este grupo, você esta purificado. Se você
esta com outro, demonizado. Essa dicotomia que leva a polarização nos levou
agora para essa guerra com algum lado. Podemos nos unir a favor do Brasil. Há
pessoas valorosas em todos os partidos. As pessoas têm de se unir para combater
alguém?
P. Você se vê numa eventual união de esquerda caso Jair
Bolsonaro cresça demais e se torne uma ameaça?
R. As pessoas querem se blocar para polarizar, não sei se é
o melhor caminho. Eu venho de um projeto que é para desconstruir a polarização,
e não para adensá-la. Não acredito nela como solução. Se ela ajudasse a
construir algo, não teríamos o desmascaramento dela no que acontece no combate
a corrupção. Esses grupos que nunca se uniram, como PT e PSDB, nunca os vi se
unirem para grandes questões relevantes nacionais, mas sim para ir contra a
Lava Jato, e apoiar o foro privilegiado. O primeiro partido a fazer uma nota
contra o suspensão do mandato do Aécio foi o PT.
P. Como ficaria a reforma da Previdência? Se você estivesse
no Congresso, você votaria?
R. Esta que está aí não tem credibilidade e legitimidade
para ser feita. Começou do jeito errado, ouvindo apenas o lado do empregador.
Uma reforma da Previdência, para resolver os problemas de déficit, para
atualização na reestruturação produtiva que o mundo está vivendo, o bônus
demográfico que perdemos, precisamos fazer, mas não essa que não dialoga com
trabalhadores. Mas precisamos sim de reforma, e precisa ser encarada. Em 2010
eu já levantei esse problema, e dizia, inclusive, que precisávamos sair do
regime atual para o de capitalização.
P. Mas esta Previdência atual modifica direitos de uma parte
de sociedade, e preserva de um setor da elite. Como se corrige, por exemplo, o
caso dos militares?
R. Isso só se corrige no debate. Olhando o conjunto dos
problemas da Previdência, de forma transparente. Colocando a natureza das
assimetrias que existem hoje em relação aos grupos que ficam fora dos grupo de
pressão. E o Governo Temer perdeu grande chance de fazer isso. A reforma que o
Brasil precisa é a partir de um debate. Não se pode pedir sacrifício em nome de
privilégio de um, ou de gasto ineficiente de um Governo, sem perspectiva de um
novo ciclo de prosperidade e investimento.
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