sexta-feira, 9 de março de 2018

NÃO HÁ PLANO, FAZ-SE UM PLANO

Artigo de Fernando Gabeira
Planejava escrever mais um artigo sobre política de segurança nacional, tal como espero que seja discutida em 2018. Celso Rocha de Barros, em sua coluna na Folha, me fez uma pergunta pertinente: afinal, qual a intervenção que apoio? Já tratei parcialmente do tema em artigos anteriores. Mas não gostaria de parecer vago a respeito do lugar onde vivo, sobretudo diante de um interlocutor qualificado.
Defendo uma intervenção completa num governo em ruínas. Mas já que se deu apenas no campo da segurança e tem como instrumento o Exército, ela deve deixar bem claro o momento de terminar. Esse marco final não é definido pela rigidez do calendário, mas pela execução da tarefa: reduzir, ainda que modestamente, os índices de criminalidade e reestruturar a polícia para que possa cumprir sua tarefa. Nesse campo, dois pontos são essenciais: o combate à corrupção, pois ela enfraquece as chances de reduzir a criminalidade; e dotá-la de equipamentos, treino e meios técnico-científicos de investigação.
Desde repórter policial, ainda garoto, percebia que a polícia estava atrás de seu tempo. Foi uma opção da sociedade brasileira, que subestimou sua importância. Essa escolha é uma fonte de violência, pois sem inteligência e métodos de investigação a busca de alguma eficácia induz à tortura e à intimidação. No caso da polícia do Rio de Janeiro, existe ainda uma questão elementar: pagar os salários em dia.
Quanto aos métodos, defendo uma intervenção que não veja as favelas como território hostil, mas como território amigo controlado por forças hostis. Isso implica o compromisso de respeitar as pessoas, algo que alguns já percebem também como o desejo dos militares.
E quais são as forças hostis? Os grupos armados ocupando territórios: traficantes de drogas, que se desdobram em ladrões de cargas, e as milícias, que vendem segurança, gás e transporte alternativo.
Sou contra a ocupação militar das comunidades. Há anos afirmo que nem o Exército chinês exerceria folgadamente essa tarefa. São mais de 800 só na capital, sem contar a Baixada Fluminense e cidades médias, como Campos e Macaé.
Como combater esses grupos sem ocupar? Essa é uma questão que inteligência e meios técnicos podem responder ao menos parcialmente. A tática de ocupar as comunidades leva os grupos armados a utilizar, instintivamente, um princípio da guerrilha: dispersar quando o inimigo se concentra, concentrar-se quando ele se dispersa.
Em 2010, no contexto da campanha política, traçamos um mapa da ocupação armada no território do Rio, indicando quem a dominava. Esta semana recebi um esboço que mostra como a mancha de território ocupado se expandiu.
Defendo também uma intervenção que estimule, por sua presença, o avanço da Lava Jato sobre o mundo político do Rio. Há muita coisa a fazer, até porque o atual governo era parte do esquema criminoso de Sérgio Cabral.
Finalmente, afirmei que a sociedade, que já se movimenta, via aplicativos como Onde Tem Tiroteio e Fogo Cruzado, poderia ajudar as forças de intervenção. Mas precisaria conhecer seu plano.
Os militares foram convocados de surpresa e precisam estudar melhor o quadro. E de mais treino no contato com a imprensa, que não é de seu cotidiano.
Tenho consciência de que o governo Temer é impopular e terá grandes problemas com a Justiça quando perder o foro privilegiado. Mas sinto que vivemos no Rio uma situação emergencial. Outros Estados também sofrem com a violência. Constatei isso no Amazonas, no Maranhão, em Alagoas e pretendo mostrar os casos do Ceará e do Rio Grande do Norte.
Mas em nenhum ponto do País perdemos tanto território para grupos armados.
Os números sobre mortes no Brasil, superando os de muitos países em guerra, já eram um argumento para o tema subir ao topo da agenda nacional. Temer é o presidente que existe, o único capaz de convocar as Forças Armadas. Se alguém acha isso um golpe de mestre político, é porque tem visão curta.
O próprio Exército, com alta credibilidade, não se lançaria numa tarefa dessas para salvar um governo com alguns já na cadeia e outros arrumando a mala. Se Temer não cumprir as condições mínimas para a execução da tarefa, espero que isso fique claro no balanço dos interventores e o desgaste caia nas mãos de quem merece.
Em linhas gerais, essa é a intervenção que defendo. Posso alterar minha visão diante de argumentos contrários.
O mais difícil, entretanto, é convencer as pessoas que, como todos nós, acreditam que a segurança é limitada, que é preciso melhorar as condições sociais, a educação. Não percebem a emergência. Como chegar com serviços sociais a uma favela ocupada? Como ter eleições livres em áreas onde só podem entrar alguns candidatos?
Arruinado, o Rio não consegue sozinho ocupar seu território. Mesmo com ajuda federal e a presença do Exército é uma tarefa de longo prazo. Quem vê os militares se preparando para combater os grupos armados vê também um horizonte para a libertação territorial da cidade.
Defendi apenas alguns princípios da intervenção. Não explicitei planos porque isso é tarefa dos militares. Admito até que não tinham nenhum. O que fazer? Foram convocados para uma emergência. Não temos plano? Faz-se um. Visto com seriedade, para quem foi convocado de surpresa isso leva tempo.
O atraso na aceitação da segurança pública na agenda nacional atravessou a redemocratização. Entre nossos presidentes, havia um desprezo aristocrático pelo tema.
Com todas as críticas que faço ao governo Temer, procuro ter uma visão política; não reclamar quando o outro chega atrasado às evidências, mas simplesmente afirmar: é bom que, finalmente, tenha chegado.
Não vejo alternativa melhor para o Rio. Prefiro ajudá-la, contra os ventos e marés da esquerda. Não é a primeira vez que discordamos. Já estamos acostumados.
Artigo publicado no Estadão em 09/03/2018
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