Na semana passada, escrevi sobre um núcleo de resistência no
STF. Afirmei que era algo atravessado no caminho do futuro. Estava preparando
um artigo sobre um tema mais concreto, quando ele aprontou de novo. A Segunda
Turma do STF decidiu tirar das mãos de Moro delações da Odebrecht e mandá-las
para a Justiça de São Paulo, onde as espera um gigantesco engarrafamento. Tudo
para proteger Lula.
Uma simples trinca de cartas na Segunda: Lewandowski,
Toffoli e Gilmar Mendes. Gilmar se aliou ao PT que quer soltar os seus. Ele
parece querer salvar todo o sistema político falido. Mencionei esta aliança no
artigo anterior. Logo em seguida circulou um vídeo na internet no qual um
deputado do PT afirmava: Gilmar é nosso aliado.
Li que o próprio Gilmar falou que o PT tendia a fazer do seu
gabinete um pátio dos milagres. Se isso for verdadeiro, Gilmar é mais que um
aliado para o PT: é um santo, desses que ainda não são reconhecidos pela
Igreja, mas fazem milagres.
Na Zona da Mata de Minas, quando jovem, conheci dois casos
de santos que curavam feridas e faziam andar: Padre Antônio, em Urucânia, e
Lola, em Rio Pomba.
A última sessão da Segundona foi um pequeno milagre que
aumenta as esperanças dos crentes na vitória maior contra a Lava-Jato.
Assim como escrevi, essas ações desesperadas aumentam a
irritação popular, aumentam as responsabilidades de quem busca uma solução sem
grandes conflitos. Em São Paulo, um promotor perdeu a cabeça e bateu duramente
nos ministros, chamando-os de bandidos togados.
Creio que fui um pouco pessimista quando perguntei: o que
podemos fazer contra eles? Agora, vejo com um olhar de esperança. Creio que é
possível confiar que o Ministério Público e a Lava-Jato produzam um recurso e
levem o caso ao plenário do Supremo. A própria correlação de forças na Segunda
Turma, com dois votos contrários, indica que a trinca será derrotada no
plenário.
Mas, de escaramuça em escaramuça, ela reduz, pela confusão
que instala, o ritmo dos processos. E também o ritmo da minha atenção: tantas
coisas para tratar no Brasil real.
Durante a semana em que faziam sua guerrilha processual,
visitei algumas vezes a Cracolândia, em São Paulo. Parece-me um problema tão
complexo. Saí de lá desejando que os dois grandes partidos de São Paulo
encontrassem pontos consensuais para achar a saída. O grande obstáculo são as
visões ideológicas. Mas uma boa razão para atenuá-las é o próprio drama
cotidiano dos moradores que são obrigados a ver um cenário de horror das suas
janelas.
Ao sair de lá, no final da reportagem, usuários de crack
invadiram e vandalizaram os prédios populares que eram uma vitrine do governo.
Mais uma razão para a busca do consenso. Tudo indica que o crime organizado é
um grande ator.
Na verdade, iria escrever sobre isso num outro contexto: o
da urgência de realizar as coisas. De como no Brasil é necessário um espaço de
consenso, algo que permita como nos lançar com firmeza numa solução prática. Foi
enfatizando as diferenças que viemos brigando desde a redemocratização para
chegar à ruína do sistema político.
É preciso recomeçar, não ignorando as diferenças, ou
ingenuamente supondo que essas discussões iradas vão terminar. Talvez seja
coisa da idade, mas essa pressa nas soluções pede que se valorizem também as
convergências. Não temos tempo a perder. As soluções foram empurradas, já estão
no embargo do embargo. E seremos culpados de tornar o Brasil um país
ingovernável.
Artigo publicado no Jornal O Globo em 28/04/2018
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