Semana dos candidatos à Presidência na TV. Continuo sem
resolver alguns pontos sombrios nas minhas previsões sobre o ano que vem.
Por mais que surjam novos nomes, o Congresso deverá ser
dominado pelo grupo de sempre. Como realizar algo, superando essa imensa
barreira fisiológica?
Os candidatos têm sempre uma visão otimista. O argumento
principal é a legitimidade dada pela eleição majoritária. Com ela, acham que
podem contornar velhas práticas do toma lá dá cá.
Milhões de votos conferem legitimidade. Mas ela não se apoia
apenas em número de votos. Mal conduzidos, os primeiros meses já revelam um
declínio na aprovação popular.
Com as regras do jogo definidas pelo próprio Congresso, as
eleições parlamentares tendem a confirmar o grande bloco fisiológico.
Isso significa que a própria maioria no Congresso dirá que
também tem legitimidade. O encontro de presidente tentando mostrar trabalho e
um Congresso sedento de verbas e cargos é a repetição do velho enredo.
Nem tudo é como antes. Com o êxito da Lava -Jato, o risco na
compra de apoio com dinheiro vivo ficou maior. De um modo geral, o governo cede
cargos e, no jogo de pressão, ameaça retirá-los se houver infidelidade. Às
vezes, funciona.
Mas, enfraquecido no ritmo das reformas, que é dado pelo
próprio Congresso, o governo precisa preencher os cargos e, para isso, voltar
ao mercado e comprar apoio por um preço mais caro ainda.
A fórmula de romper esse mecanismo está na ponta da língua
de todos os candidatos à Presidência: reforma política.
Mas como realizá-la, se depende dos parlamentares que
sobrevivem na atual estrutura viciada?
A resposta é a volta ao ponto de partida: com a legitimidade
dos votos, simpatia, articulação, enfim, qualidades que não resolveram o
problema até o momento e não indicam que, por si só, vão resolvê-lo no futuro.
Áreas nebulosas não faltam. O antigo desprezo pelo tema
segurança pública ainda é presente na maioria dos candidatos. Têm algumas
respostas na ponta da língua. Mas não costumam se aprofundar. Crime organizado?
Combate-se com inteligência, dirá a maioria deles.
Mas como se usa inteligência? Unificando dados. Mas o que
fazer com dados unificados?
O crescimento do índice de mortalidade infantil, a volta de
doenças como o sarampo e a febre amarela indicam uma perigosa regressão. No
passado bem próximo, sofremos o impacto da zika e da chicungunha.
As respostas mais clássicas são melhorar a eficiência da
gestão e combater o desvio de verbas. No entanto, há pouca consciência de que
entramos num momento global onde as ameaças biológicas podem resultar em
epidemias.
Há pouca ligação entre a deficiência alimentar e a
mortalidade infantil, e muito menos sobre o papel da degradação ambiental no
perigo de epidemias. A impressão que tenho é a de que os programas políticos
são feitos em compartimentos isolados. Os candidatos precisam de uma lista de
propostas para responder às mesmas perguntas e, às vezes, estão tão cansados
que precisam de fórmulas muito simples para usá-las no piloto automático.
Como são treinados para entrevistas, tendem a preferir
respostas curtas, frases impactantes. É assim que as coisas andam.
No entanto, ainda não estou convencido de que os candidatos
se preparam só para declamar pontos do programa mas não se importam muito em
ligar as pontas, compreender a inter-relação dos vários temas.
É como se estudassem para provas de diferentes matérias como
nas escolas, sem perceber que a realidade mesmo é interdisciplinar.
Um candidato que tenha uma ideia clara do que fazer em
setores diferentes da vida do país costuma passar nas provas. Mas sua qualidade
de maestro, seu talento em afinar a orquestra, produzir sinergias — tudo isso
depende não apenas de conhecer isoladamente os temas, mas suas profundas
interconexões.
O trânsito da condição de candidato para a de jornalista é
também a passagem do cavalo de Dom Quixote para o burrinho de Sancho Pança.
Resta apenas lembrar incessantemente: olha mestre, olha bem
o que está dizendo.
Artigo publicado no Jornal O Globo em 06/08/2018
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