A eleição presidencial mais atípica desde a redemocratização
tem características singulares, como já salientou Fernando Gabeira em recente
artigo em que ressaltou a estranheza de um candidato concorrer da prisão,
condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, e outro, referindo-se ao Cabo
Daciolo que subiu a uma montanha para orar, estar “a caminho do hospício”.
Mas há mais: o candidato mais votado quando Lula não aparece
na lista, Jair Bolsonaro, já é réu de uma ação no Supremo Tribunal Federal por
incitação ao estupro, e pode vir a ser novamente réu em outra ação, por
racismo. Comportamento conectado a crimes hediondos, imprescritíveis.
Portanto, os dois candidatos preferidos pelos eleitores,
segundo todas as pesquisas eleitorais, não são afetados pela divulgação de suas
malfeitorias. Além do mais, a eleição está aberta, com resultado imprevisível.
Cinco candidatos disputam as duas vagas no segundo turno: o
preposto de Lula, Bolsonaro, Marina Silva, Ciro Gomes e Geraldo Alckmin. Haddad
e Alckmin entram na relação pelo potencial de votos que têm, não pelos votos
que no momento as pesquisas eleitorais indicam.
Supõe-se que a transferência de votos de Lula para seu
“cavalo”, como se chama no candomblé “aquele que se deixa cavalgar pela
divindade, que se apropria do corpo e da mente do iniciado” é inevitável. Mas é
ainda uma questão a ser testada.
Supõe-se também que a larga vantagem do tucano Geraldo
Alckmin na propaganda eleitoral oficial na rádio e na televisão, graças ao
amplo arco de alianças que montou, o levará ao segundo turno. Mas às vezes
muita exposição pode ser pior para um candidato, mostrando mais suas fraquezas
que as qualidades.
Bolsonaro e Marina têm reduzido tempo de propaganda, medido
em poucos segundos, mas se mostram resilientes nas pesquisas que valem, há mais
de um ano em primeiro e segundo lugar na ausência de Lula.
O candidato do PDT, Ciro Gomes, que pretendeu assumir o
papel de candidato das esquerdas na ausência de Lula, viu seu sonho
desmilinguir-se por obra e graça do próprio Lula, que blindou o PT do fogo
amigo do PSB e do PCdoB e esvaziou Ciro, que chegou a procurar o centrão para
ganhar musculatura.
Hoje, Ciro disputa um lugar no segundo turno objetivando
mais a classe média e a centro-esquerda, uma posição em que o PSDB, que já foi
seu partido, já foi hegemônico. Hoje, o candidato tucano Alckmin é atacado por
vários flancos e não consegue deslanchar.
Perde votos para Bolsonaro, para o próprio Ciro, para Marina
Silva, para o ex-tucano Álvaro Dias, até mesmo para João Amoedo, do Partido
Novo, se for confirmar sua ascensão nas pesquisas eleitorais.
Cada um desses candidatos dá uma bicada no eleitorado do
PSDB, e o voto útil pode decidir quem vai para o segundo turno. Além do mais,
as pesquisas mostrarão, depois do início da propaganda eleitoral com maior
clareza, quem vence quem na disputa direta do segundo turno, quando os dois
mais votados terão que conseguir alianças.
O PT precisará do apoio de Ciro Gomes se este não estiver no
segundo turno, e a recíproca, embora verdadeira, pode não ser de interesse
político de Lula, que veria um novo líder de esquerda surgir. Outro detalhe
fundamental: se vencer a eleição, Ciro Gomes não tentará anistiar Lula, pela
mesma razão que Lula não quer vê-lo vencedor.
Se o segundo turno for entre Bolsonaro e algum outro, por
enquanto as pesquisas mostram que apenas Marina o venceria. Em um duelo entre
Bolsonaro e Haddad, mesmo com o previsível apoio a Haddad contra a
extrema-direita, é quase certo que boa parte do eleitorado tucano não votará no
PT. Assim como os petistas não votarão em Alckmin mesmo que ele dispute com
Bolsonaro.
Nos dois casos, o índice de votos nulos e em branco será
muito alto, mostram as pesquisas. A eleição mais atípica desde a
redemocratização, portanto, em alguns casos poderá ser resolvida pela escolha
dos eleitores do candidato “menos pior” já no primeiro turno.
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