A velha máxima do “se não pode vencê-los, junte-se a eles”
resume em poucas palavras a estratégia adotada para fazer girar um novo negócio
no Rio de Janeiro. De um lado do embate, o ganhador da licitação para construir
uma roda-gigante da altura de um prédio de 30 andares no Porto Maravilha, o
grupo Gramado Parks, cujos donos têm ligação com a Igreja Universal e que
pertence à família de Manu Caliari, vereadora gaúcha eleita pelo PRB, partido
do prefeito Marcelo Crivella. Na outra ponta estão aqueles que eram,
originalmente os perdedores: a Porto do Rio Empreendimentos, que chegou a
entrar com um recurso para desqualificar a concorrente e tem entre os sócios o
lobista Paulo Marinho, suplente de Flávio Bolsonaro (PSL) na disputa pelo
Senado no Rio. Cinco meses depois da concorrência na prefeitura, no entanto, os
antigos rivais se tornaram aliados na empreitada para erguer uma “London Eye”
carioca.
Mais do que isso: cada um agora detém 50% do empreendimento.
Inspirada na emblemática roda-gigante de Londres, a atração está prevista para
ser inaugurada em maio de 2019 na antiga região portuária da cidade. “Já era um
escândalo o prefeito ter beneficiado um grupo vinculado à Universal”, disse o
deputado estadual Átila Nunes, do MDB. Surpreso com a união dos antigos
oponentes, ele vai além: “Isso cheira ao famoso acordão. A firma que ganha é
favorecida, a perdedora pressiona as autoridades e o negócio é dividido.” O
deputado afirmou que vai denunciar o fato ao Ministério Público e pedir a
anulação da concorrência.
As ligações do Gramado Parks com o partido do prefeito do
Rio são facilmente confirmadas em buscas na internet. No seu perfil no
Facebook, Manu Caliari, atual presidente da Câmara dos Vereadores de Gramado,
expõe fotos ao lado de Crivella e de sua mulher, Sylvia Jane, tiradas há dois
anos, ainda no gabinete do então senador em Brasília. Em outra imagem, no calor
da campanha pela prefeitura da capital fluminense em 2016, Manu e Crivella
aparecem juntos com as duas mãos abertas (dez era o número do candidato). Na
postagem, ela não poupa exclamações: “E o Rio de Janeiro é Marcelo Crivella!!!
É 10!!! É PRB!!! Este homem tem todo o meu carinho e admiração!!! Muito
importante essa vitória para a nossa linda família republicana!!!”
A devoção extrapola o campo político e chega à religião.
Vale explicar que na composição social do Gramado Parks, aparece como sócio
Anderson Rafael Caliari, marido de Manu Caliari, vereadora em seu segundo
mandato pelo PRB. Embora amigos digam que o casal se separou recentemente, não
há como dissociar Manu dos negócios de Anderson, que inclui entre outros o
parque Snowland – uma espécie de Disneylândia da geada, que funciona
na Serra Gaúcha. Em 2016, quando questionada sobre o porquê
de não ter bens registrados na Justiça Eleitoral, a vereadora alegou que suas
propriedades estavam em nome do marido e das empresas da família. Declarava que
eram casados há dez anos em comunhão parcial de bens.
O casal vencedor da concorrência pela roda-gigante no Rio
aparece junto em vídeos na internet promovendo a Igreja Universal. Em um deles,
a dupla passeia por atrações de Gramado, troca chamegos em um cenário bucólico
e termina com ela dizendo: “Consegui mudar a minha história acreditando que o
impossível pode acontecer. Hoje sou uma mulher vitoriosa, eu sou a Universal”.
Em outra gravação, os dois surgem dando um testemunho em uma cerimônia
denominada Fogueira Santa, em que os adeptos da Universal fazem doações em
dinheiro em busca de bênçãos espirituais e materiais. Manu relata que procurou
a igreja inicialmente para melhorar sua vida sentimental e depois a parte
econômica. Ela conta, ainda no vídeo, que o casal chegou a doar um carro
importado e depois mais de 100 mil reais para a fogueira e que “as portas
começaram a se abrir”.
Procurada, a assessoria de Crivella não se pronunciou. Disse
apenas que a licitação não passa pelo prefeito e fica a cargo da área técnica,
a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro.
Do outro lado dessa atração estão Ricardo Amaral, empresário
carioca que ganhou fama nos anos 80 com a lendária boate Hippopotamus e hoje
tem negócios na área de entretenimento, e Sávio Neves, presidente do grupo
Esfeco (opera o trem do Corcovado e tem participações no AquaRio, também na
antiga zona portuária). O terceiro sócio da Porto do Rio Empreendimentos é
Paulo Marinho, personagem da sociedade carioca conhecido por estar sempre junto
de figuras conhecidas do mundo dos negócios e da política. Ex-marido da atriz
Maitê Proença, foi braço direito de Nelson Tanure, empresário famoso por se
embrenhar em grandes e intrincadas negociações. Mais recentemente, Marinho foi
notícia ao oferecer jantares em seu casarão no Jardim Botânico para João Doria,
ex-prefeito de São Paulo (PSDB). Também ajudou a organizar um coquetel para
empresários no Gavea Golf and Country Club, em São Conrado, durante a então
pré-campanha de Doria à Presidência.
Paulo Marinho também já foi visto algumas vezes no gabinete
do prefeito Crivella. Levava empresários para estreitar relações e apresentar
suas ideias ao mandatário. Além da sociedade na roda-gigante do Rio, Marinho
tenta emplacar desde a gestão anterior um projeto de revitalização para o
Jardim de Alá, no Leblon. No momento, porém, seus esforços se voltam para um
nome: Jair Bolsonaro. Além de estrear na política fora dos bastidores como 1º
suplente do filho do ex-capitão, Flávio Bolsonaro, que lidera as pesquisas de
intenção de voto para o senado no Rio, ele é um dos organizadores da campanha
do candidato do PSL. Quem convive com o empresário já o ouviu se referir a
Bolsonaro como “nosso querido capitão” e justificar sua opção por “identidade
ideológica”.
Embora o projeto do novo cartão-postal da cidade tenha a
ambição de ser uma réplica da atração londrina, a ideia de trazer uma
roda-gigante para o Rio surgiu em Orlando. Enquanto passava o último Natal na
Flórida, Crivella se encantou com o brinquedo instalado junto à International
Drive, a avenida mais famosa da Terra do Mickey. Ricardo Amaral lembra que,
pouco depois, estava em uma reunião com o prefeito discutindo outros assuntos
quando Crivella comentou que “seria ótimo” ter um destes equipamentos na
cidade. “Decidi correr atrás disso e procurei o Paulo Marinho e o Sávio Neves
para levantarmos o negócio”, contou Amaral. Mas como depois de perder a
licitação vocês se juntaram ao grupo vencedor? “Houve uma oportunidade de
entrarmos como sócios. Pessoas em comum é que fizeram essa boa intriga”,
desconversou o empresário.
Agora com vencedor e derrotado do mesmo lado, o círculo se
fecha. A Gramado Parks deu entrada em várias licenças na prefeitura para
começar as obras. “Não há nada de ilegal nisso. Aliás, é totalmente normal um
grupo que perdeu uma concorrência se associar ao que ganhou. Há vários exemplos
na cidade”, minimizou Ricardo Amaral. A vereadora Teresa Bergher (PSDB), no
entanto, vê com ressalvas a negociação. “Essa roda-gigante virou uma novela.
Acho muito estranho. Primeiro a licitação é vencida por uma empresa ligada à
Universal, o segundo colocado, também com membros apoiadores do prefeito,
esperneia e acaba se juntando. Difícil entender”, descreveu Bergher, que
encaminhou um requerimento à prefeitura pedindo detalhes do processo. Sabe-se
de antemão que a empresa do Sul venceu a concorrência com um lance de 200 mil
reais, enquanto a adversária ofereceu 65 mil reais mensais pela permissão de
uso do terreno para instalar a atração. E que o município receberá o que for
maior, esse aluguel ou 5% do faturamento do brinquedo.
Alheios à polêmica, Paulo Marinho e seus dois sócios e o
grupo Gramado Parks – que além de um parque de neve é dono de quatro resorts no
Rio Grande do Sul e inaugurará em 2019 uma estação termal em Gramado – já
definiram detalhes da roda-gigante. Com um investimento de cerca de 25 milhões
de reais, ela terá 92 metros de altura (contando com a base), 43 metros a menos
do que a London Eye e 75 abaixo do que a High Roller de Las Vegas, a maior do
mundo. Como comparativo, a roda-gigante que arrastou uma multidão para o Forte
de Copacabana, entre 2008 e 2009, tinha só 36 metros de altura.
Com peças importadas da China, o novo brinquedo carioca terá
54 cabines que poderão acomodar até oito visitantes em cada uma. A experiência
na gôndola com vista panorâmica para a Baía de Guanabara e o Centro do Rio deve
durar em média 15 minutos. Com capacidade para transportar cerca de 1 700
pessoas por hora, a expectativa da Gramado Parks (hoje constante nos contratos
com o nome Arc Big Eye Parques Temáticos e de Diversão Ltda) é atingir um
público semelhante ao do AquaRio. Vizinho à área, o aquário recebeu 1,4 milhão
de visitantes em seu primeiro ano. O valor dos ingressos deve ficar entre 25 e
45 reais.
O imbróglio em torno da roda-gigante, no entanto, não se
limita a negociação feita nos bastidores, pós-licitação. Pelo contrato de permissão
de uso do terreno do número 455, da Avenida Rodrigues Alves, o grupo vencedor
poderá explorá-lo por cinco anos e meio. Documentos da companhia de
desenvolvimento urbano do Rio mostram, porém, que por se tratar de “matéria
precária”, o prazo de vigência é indeterminado, podendo ser revogado a qualquer
momento. A encrenca é que a área com 2 459 metros quadrados está no centro de
uma disputa judicial. Desapropriado pela antiga gestão municipal, parte do
local foi usado na construção da Via Binário. Enquanto um perito avaliou aquele
naco de terra por 44 milhões de reais, o município contestou e fez um depósito
judicial no valor de 1,3 milhão de reais. A Bunge Alimentos, antiga
proprietária, recorreu à Justiça. Procurados, nem o advogado nem o departamento
de marketing do grupo Gramado Parks quiseram comentar essas questões.
Questionada sobre os prazos, a empresa afirmou que vai divulgar este mês quando
pretende começar a construir a roda-gigante.
SOFIA CERQUEIRA
Jornalista carioca, com passagens pelo Jornal do Brasil, O
Globo e Veja Rio.
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