Está tudo errado na “sugestão” do ministro da Educação,
Ricardo Vélez Rodríguez, para que as escolas coloquem seus alunos cantando o
Hino Nacional, o que foi mantido ontem, apesar da polêmica que provocou. E
indica que o governo que denuncia a partidarização das escolas no governo
petista quer apenas trocar de partido.
Retirar o slogan político da campanha de Bolsonaro é o de
menos, mas colocá-lo na mensagem oficial indica que o novo ministro da Educação
tentou infiltrar nas escolas do país uma propaganda política do governo a que
serve. Só não conseguiu porque seu abuso de poder foi denunciado.
Mandar pedir autorização dos pais para que seus filhos sejam
filmados, também, é só uma questão de cumprir a legislação em vigor. Mas indica
que o governo estava se preparando —e pelo visto continua com a ideia — para
promover campanhas “educativas” utilizando-se dos alunos e professores. O
problema maior é o subterfúgio usado para implementar uma promessa de campanha
do presidente eleito.
Durante a campanha eleitoral, tanto Jair Bolsonaro quanto
seus filhos prometeram que o Hino Nacional voltaria a ser cantado nas escolas
brasileiras.
O Ministério da Educação (MEC) afirma que se trata de um
“pedido de cumprimento voluntário” e que os diretores que quiserem seguir a
recomendação do ministro devem ler a carta aos alunos no primeiro dia letivo
deste ano.
Ora, para as escolas particulares, não haverá muito problema
em recusar a “sugestão” do ministro. Mas, e as escolas públicas? Terão seus
diretores segurança para recusar a proposta do ministro? Outra questão grave é
a permissão dos pais para que seus filhos sejam filmados.
Não me parece uma solução, pois também nas escolas públicas
do país a maioria dos pais se sentirá constrangida diante de um pedido da
diretoria da escola. Especialmente nas regiões menos desenvolvidas.
Quem se recusar, qual garantia terá de que não será
perseguido, do ponto de vista institucional, no caso dos diretores
discordantes, ou do pessoal, no caso de constrangimento para assinar a
autorização? E os alunos que se recusarem, que ambiente passarão a ter nas suas
escolas?
O ministro Vélez Rodríguez diz, com razão, que cantar o Hino
Nacional “não é constrangimento, é patriotismo”. Mas patriotismo só é imposto
em governos autoritários. É um sentimento de pertencimento que move muitos
cidadãos espontaneamente. Ninguém precisa mandar a torcida brasileira cantar o
Hino Nacional, às vezes à capela. Estímulos oficiais pelo patriotismo podem
levar a frases como a de Samuel Johnson, que dizia que “o patriotismo é o
último refúgio do canalha”.
Uma sugestão dessas só poderia ser feita pelo MEC depois de
ouvidas as entidades ligadas à educação, num ambiente institucional adequado,
certamente o Conselho Nacional de Educação (CNE).
Não se trata de concordar ou não com cantar o Hino, mas de
uma orientação oficial que muda o cotidiano das escolas. A recomendação lembra
o governo Vargas, que estimulava esse tipo de “patriotada”, ou a implantação
das matérias Estudo de Moral e Cívica (EMC) e a Organização Social e Política
do Brasil (OSPB), que se tornaram obrigatórias no currículo das séries dos hoje
ensinos fundamental e médio em 1969, em substituição a Sociologia e Filosofia. Aliás,
a volta dessas duas matérias está nos planos do novo governo. O Hino Nacional
seria apenas o começo.
Mas, mesmo na ditadura, essas mudanças no currículo seguiram
os trâmites legais, sendo aprovadas no Conselho Nacional de Educação. No
governo Temer, em 2017, o Ministério da Educação decidiu promulgar a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio, com alcance para todos os
alunos da educação básica no Brasil, depois de amplo debate no Conselho
Nacional de Educação e também no Congresso Nacional.
É uma norma de Estado e, como disse na ocasião da sua
aprovação o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), “deve ser
implementado independentemente de quem esteja no governo federal ou estadual”.
O mesmo Consed protestou contra a “sugestão” do ministro da Educação.
Segundo especialistas, é a autonomia e a liberdade do ensino
que estão em jogo, e, sem isso, não existe aprendizado, existe controle mental,
o que é bem grave do ponto de vista, inclusive, legal.
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