O presidente ainda não decidiu o que quer ser depois que
cresceu. Sob a regência dele e família a “direita” e a “esquerda” velhinhas esbofeteiam
as paixões vintage uma da outra via internet. Já o Brasil
“indignado” ataca pessoas mas não ataca problemas. E a imprensa, participando
ou não dela, só vê a política como disputa. Abriu mão do 4º Poder. Dispensa-se
de buscar soluções; de informar como funciona o mundo que funciona. “O
governo ganhou…”, “O governo perdeu…”. Brasil e brasileiros nem há…
É tudo isso junto que proporciona que a privilegiatura não
seja denunciada como sistema e possa continuar defendendo anonimamente os seus
privilégios.
Na tradição política brasileira onde quem não pede, aceita,
da extrema direita à extrema esquerda e mais quase tudo que há no meio todos
mutuamente se arrimam no quesito defesa de privilégios. O instinto natural do
Congresso é ver como entregar o mínimo pra não matar a galinha dos ovos de ouro
já e o resto é circo. É uma cultura. O que é a debandada dos substitutos dos
médicos cubanos três meses depois de contratados senão o aproveitamento de mais
uma oportunidade de por um pé dentro da nau dos exploradores pelos
“concurseiros”, seguido do efeito obrigatório da garantia de que nada, pela
eternidade, poderá tirar de lá quem conseguir essa proeza? O que mais é preciso
para explicar porque mais de 100% do que arrecada o país expulso do mercado
global pelos impostos mais altos do mundo já não basta para pagar os
privilégios dos “embarcados”, aposentados ou não?
A “desarticulação política do Planalto” se dá em
torno daquilo que nem ele, nem a oposição, nem a imprensa estão pedindo que
mude desde a raiz, nem hoje, nem muito menos quando o problema era o excesso de
“articulação política” entre o Palácio e o Congresso. Não há “desinteresse
do presidente pelas tarefas inerentes ao cargo que ocupa”. O que há é
o desinteresse de Brasília inteira, e adjacências, em acabar com esse nosso
feudalismo extemporâneo.
O Congresso é a frente mais vulneravel dessa resistência.
Todo mundo exposto ao voto sabe que o que lhe está sendo pedido não é nenhuma
revolução, é apenas, como já tinha sido na reforma trabalhista, que remova da
cena institucional aquilo que já está morto e nada poderá fazer reviver porque
o dinheiro acabou. A confusão do presidente com seu novo papel é que reabriu a
controvérsia. Jair Bolsonaro nunca saiu do território da privilegiatura. É até
por balda, mais que por convicção, que é ele quem rege a pauta das
capitulações. Ninguém exigiu nenhuma, ele é que ofereceu todas. Mas agora
passou da conta. O sistema de capitalização é a fronteira real entre o fim
previsível e o nunca acabar da privilegiatura. O regime de repartição mantém
aberto o componente aleatório da conta da previdência que os políticos
“arbitram”, ou seja, mantém aberto o comércio de favores que cria castas
privilegiadas e arrebenta países como o Brasil. O de capitalização impõe o
realismo matemático que mata esse comércio e, de troco, cria uma poderosa rede
de fundos de poupança que provê o financiamento barato do desenvolvimento
futuro. O “elevado custo de transição” alegado é pra quem tem o que perder
nessa parada, que certamente não é o povo que já não tem nada.
Paulo Guedes também nunca saiu do País Real, esse mundo onde
a realidade é senhora e ninguém dá murro em ponta de faca. Mas na arena da luta
pelo poder aquilo que parece pesa muito mais que aquilo que é. Logo,
submeter-se a longas seções de teatro sem ser ator não é o melhor meio de
passar a reforma. Convencer o povo, que tira e põe políticos no poder, da
indispensabilidade e da boa fé dos componentes essenciais da sua proposta é que
é o caminho para extrair indiretamente dos deputados o voto que o Brasil
precisa.
Uma imprensa que se negasse a disparar tiros alheios pelo
“acesso” a dossiês nunca 100% desaloprados montados pelas facções em luta pelo
poder; uma imprensa que resistisse a tomar 200 milhões de brasileiros por
otários voluntários recusando o mito da “impopularidade” do fim da
privilegiatura que todas as pesquisas mostram que não vai além das salas onde
deveriam trabalhar mas estão dispensados de fazê-lo os “estáveis no emprego”
para todo o sempre; uma imprensa que tudo referisse, enfim, à meta sacrossanta
do privilégio zero, poderia fazer essa ponte. É pela falta dela que o povo
tornou-se uma ficção distante para Brasilia assim como Brasilia tornou-se uma
ficção distante para o povo. Não há nenhuma comunicação entre eles porque a
intocabilidade de todos quantos conseguem por um pé dentro do estado, um dia,
nunca é posta em xeque. Excluído o único remédio que cura, tudo que resta para
a análise dos eruditos do nada nas TVs são os protocolos da Corte. O que diz a
regra (que nos mata)? De quem é a competência (de nos ferrar desta vez)? Os
parênteses não sobem nunca às manchetes. Só o que não interessa interessa.
Levantar a censura sobre como funciona o mundo que funciona
pouparia o país de ter de reinventar a roda. Mas se apenas a imprensa passasse
a atribuir o comportamento da Corte às suas causas evidentes já começaríamos
automaticamente a nos dirigir para a saída, que consiste apenas e tão somente em
condicionar todos os dias, dia após dia, a permanência no emprego de políticos
e funcionários públicos à obrigação de agradar os “clientes” que lhes pagam os
salários como acontece aqui fora.
Democracia, no más…
Plebeus do Brasil inteiro, uni-vos! Este país está aquém do
século 19 das revoluções democráticas. A parada aqui ainda é “nobreza, unida,
jamais será vencida”. Pelo povão ninguém “é” senão o ministro que os deputados
hereditários da bancada dos gigolôs de miséria querem carimbar como “rentista”
ou “agente dos bancos”, a apelação que resta no seu arsenal esvaziado de
argumentos. Paulo Guedes terá de recorrer a uma campanha profissional de
esclarecimento do povo se quiser conseguir dar o seu recado inteiro. Nenhum
dinheiro público poderia ser mais bem gasto.
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