A bizarra e agressiva decisão americana de proibir relações
comerciais com a Huawei, a gigante digital chinesa, no curto prazo abala a
companhia. Também prejudica imensamente os consumidores. Quem mais se dá bem
não é nenhuma empresa americana — pelo contrário, é uma sul-coreana, a Samsung.
No médio e longo prazo, esta ação, que de americana não parece nada, tende a
prejudicar justamente as companhias do Vale do Silício.
Aliás, talvez nem a tão médio prazo assim. Afinal, as gigantes
do Vale e as gigantes da China têm uma relação simbiótica. Mude o tênue
equilíbrio e a explosão pode ser feia.
Para a Huawei, as ameaças sérias e imediatas vêm de duas
relações cortadas: com o Google e com a japonesa ARM.
O sistema Android, que roda em 9 de cada 10 celulares,
funciona com uma licença de software livre. A Huawei pode continuar a usá-lo
assim como pode usá-lo de base para construir seu próprio sistema — coisa que
já está fazendo. Metade dos celulares que vende são na China. Não muda nada.
Muda para a outra metade — os celulares vendidos na Europa e nas Américas.
Aqui, componentes do Google como a busca, o Gmail e a própria PlayStore são
essenciais. Sem poder usá-los, a Huawei perde.
É uma pena. Seu aparelho recém-lançado aqui no mercado
brasileiro está no mesmo nível dos três melhores celulares que há – o último
Apple iPhone, os Samsung S10 e o Google Pixel 3. Ter quatro celulares de peso
disputando espaço faz bem para os preços — até porque a Huawei cobra
propositalmente abaixo por algo de igual valor.
Se ARM mantiver o bloqueio a coisa é bem mais séria.
Originalmente britânica, comprada recentemente pela japonesa Softbank, tem
patentes fundamentais para a construção de chips. A Huawei pode viver sem Intel
e Qualcomm — pode fabricar seus próprios chips. Mas, sem poder licenciar
tecnologia da ARM, fica muito mais difícil. Não afeta apenas o negócio dos
celulares, afeta também o equipamento para infraestrutura de telecomunicações
que inclui antenas e roteadores que estão sendo usados por todo mundo para
erguer redes 5G.
Se a Huawei não puder licenciar projetos da ARM para
desenhar chips, não poderá fazer equipamento 5G. É a principal fornecedora do
mundo deste tipo de equipamento. Para as operadoras de telecom, o preço de
construir as redes vai aumentar, a qualidade vai piorar, e a demora será muita.
Bloquear a Huawei é um desastre para todo mundo.
Só que, grande como é, obstinada como é, e com o apoio do
governo chinês, a Huawei vai sobreviver e, após um ou dois anos, dá a volta por
cima. Já agora mesmo, tomados por ímpeto nacionalista, chineses estão largando
iPhones para comprar P30s. Trata-se de uma empresa com imensa penetração no
mercado asiático. Com chips próprios e sistema próprio, terá poder de fogo para
abrir um rombo nos espaços que Apple e Google têm no continente mais populoso,
aquele onde o mercado mais cresce. Para os americanos, é péssimo.
E pode ficar muito pior. Se a China optar por uma
retaliação, ela terá na Apple o alvo perfeito. Cortar a Huawei do ecossistema
balança a companhia chinesa. Corte a Apple e a proporção do terror é muito
maior. Se Beijing optar por proibir negócios com a Apple, tem reservas bem mais
que suficientes para indenizar as empresas locais que terão prejuízo. Mas a
companhia fundada por Steve Jobs não terá onde fabricar iPhones, iPads e Macs
no mesmo volume ou com a mesma qualidade.
A sirene de alerta vermelho está tocando em Cupertino.
O gesto do governo Donald Trump não é contra uma empresa — é
contra todo o negócio da alta tecnologia que, no mundo, é interdependente. E é
contra nós, consumidores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário