quarta-feira, 31 de julho de 2019

O TERCEIRO TURNO

Do Blog do Luiz Carlos Azedo, Correio Braziliense
O presidente Jair Bolsonaro, ao insistir numa agenda motivada por razões ideológicas e religiosas, mas descolada dos problemas prioritários da população, está protagonizando um debate político no qual sua imagem de presidente da República pode sair desgastada. Bolsonaro foi eleito sem debater suas ideias, ficou fora da campanha depois da facada que levou em Juiz de Fora (MG). A partir daquele trágico episódio, o “mito” se tornou imbatível, mesmo num leito de hospital. Afora os seguidores de carteirinha, porém, a maioria dos seus eleitores não conhecia as ideias polêmicas do presidente da República sobre assuntos em há um amplo consenso na sociedade, como a questão do desmatamento, por exemplo.
Com o Congresso Nacional e o Judiciário em recesso, Bolsonaro ficou absoluto na cena política, sem que nenhuma outra personalidade disputasse espaço na mídia. Nesse período, no jargão jornalístico, florescem as “flores do recesso”, temas que tomam conta do noticiário político e morrem quando o Parlamento e os tribunais voltam a funcionar. Ocupava a cena a divulgação de conversas entre o ministro da Justiça, Sérgio Moro, quando era juiz em Curitiba, e os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato, pelo site The Intercept Brasil, do jornalista americano Green Grenwald.
Essa seria a mais exuberante “flor do recesso”, mas o presidente Bolsonaro irrompeu em cena, diariamente, com declarações e atitudes polêmicas a cada entrevista ou tuitada. Ontem, Bolsonaro afirmou em uma rede social que o estudante de direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira foi morto pelo “grupo terrorista” da Ação Popular do Rio de Janeiro, e não pelos militares, uma afirmação no mínimo leviana. Segundo a Comissão da Verdade, Santa Cruz foi morto por agentes dos órgãos de segurança do regime militar.
Mais cedo, ao criticar o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, filho do estudante desaparecido, Bolsonaro havia chocado a opinião pública com a seguinte declaração: “Um dia, se o presidente da OAB [Felipe Santa Cruz] quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto para ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Eu conto para ele”. Sua declaração gerou repulsa nos meios jurídicos e políticos. O governador de São Paulo, João Doria, por exemplo, filho de um parlamentar cassado e obrigado a se exilar, considerou a declaração inaceitável.
Lava-Jato
Bolsonaro já chamou a jornalista Miriam Leitão de terrorista e os nordestinos de “paraíba”; anunciou que discriminaria o Maranhão, porque o governador Flávio Dino (PcdoB) é comunista; garantiu que ninguém passa fome no Brasil; desqualificou os dados sobre desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), voltou a dizer que só os veganos se preocupam com a questão ambiental e voltou a defender a transformação da Baía de Angra numa nova Cancún.
Entre uma declaração e outra sobre Fernando Santa Cruz, Bolsonaro também defendeu a prisão do jornalista americano Grenn Greenwald, que divulgou as mensagens trocadas pelo ex-juiz Moro e os procuradores da Lava-Jato. Bolsonaro já havia feito referência à possível prisão do diretor do The Intercept Brasil, ao negar a intenção do governo de deportá-lo. A ligação de Greenwald com os quatro hackers presos suspeitos de invadir celulares de Moro, procuradores e outras autoridades dos três poderes está sendo investigada pela Polícia Federal. O inquérito foi prorrogado por mais 60 dias. Greenwald alega que recebeu os documentos anonimamente e sem nenhuma compensação financeira.
Para completar o dia, Bolsonaro cancelou uma audiência com o chanceler da França, Jean-Yves Le Drian, e foi cortar o cabelo. A França é uma grande parceira no acordo do Mercosul com a União Europeia. Talvez o presidente da República não tenha se dado conta, ainda, de que está promovendo uma espécie de terceiro turno das eleições, no qual oferece à crítica ideias que sempre defendeu, mas que não foram apresentadas à sociedade na campanha eleitoral, muito menos confrontadas pelos adversários. Cada declaração polêmica provoca uma onda de protestos na sociedade civil e no exterior, além de frustrar uma parcela dos eleitores que esperavam um presidente mais focado nos problemas do país, mais moderado na política e eficiente na gestão administrativa.
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