A indicação de embaixadores de fora da carreira diplomática
não é apenas moralmente aceitável como também é perfeitamente banal nas
democracias ocidentais.
As coisas se complicam quando motivações espúrias estão por
trás das escolhas e os indicados demonstram absoluta falta de experiência para
o cargo.
Um terço dos embaixadores indicados por Donald Trump
contribuíram financeiramente para a sua vitoriosa campanha presidencial de
2016. Somente 5% possuíam algum tipo de conhecimento prévio da região onde
servem atualmente. Os restantes tinham apenas fritado hambúrgueres.
Na era Obama, o finado senador republicano John McCain se
indignou com a escolha de Colleen Bell para chefiar a embaixada na Hungria. A
produtora do melodrama “Paixão e Ódio” tinha zero experiência internacional,
mas era um importante cabo eleitoral do presidente democrata na Califórnia.
Imune a esse tipo de intervenção presidencial, o Brasil está
prestes a entrar numa nova era com a indicação de Eduardo Bolsonaro para a
embaixada em Washington.
Manifestamente antirrepublicana, ela abre um precedente
irreversível, que expõe a política externa a todo tipo de absurdo.
Depois de o Senado aprovar a nomeação de Eduardo, o que
impedirá Jair de indicar Marco Feliciano para Tel Aviv, algum ideólogo das
redes sociais para Roma, e, por que não, Luciano Hang para Tóquio?
A mais grave consequência desse processo seria a implosão do
Itamaraty. A liga dos embaixadores amadores trataria diretamente com quem os
designou —o presidente— , esvaziando a instituição dos seus poderes
discricionários.
Outro efeito perverso seria a exposição do Brasil aos erros
crassos dos seus deslumbrados, facilmente manipuláveis por diplomatas mais
experientes de outros países.
Por fim, nada garante que essas manobras surtam o efeito
esperado. Theresa May e Emmanuel Macron fizeram de tudo para estabelecer uma
relação de confiança com Trump. Os seus respectivos embaixadores acabaram
regressando com o rabo entre as pernas.
Mas o mal já está feito. Se Bolsonaro recuar, ele pode
seguir os passos de Trump, que também enfrentou resistência no Senado, e vetar
a indicação de novos embaixadores. Por esse motivo, postos relevantes para a
diplomacia americana, como México e Austrália, permanecem desocupados.
O impasse se deve, em parte, à corajosa reação do corpo
diplomático americano às intervenções de Trump. Embaixadores entregaram os seus
cargos, funcionários se demitiram.
No Brasil, tem sido o contrário.
Servil, Ernesto Araújo, um diplomata de carreira, vem
ratificando alegremente a devassa, consolidando a ruptura com a ideia
centenária de que o Itamaraty era uma instituição imune à politicagem do
Alvorada.
Frequentemente apresentado pela imprensa como um
desequilibrado, ele tem se revelado ser um zeloso ajudante de obras do
presidente.
Resta saber se os restantes diplomatas vão continuar
tolerando por muito tempo o saque do Palácio.
*Mathias Alencastro é pesquisador do Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford
(Inglaterra).
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