Há um crescente
sentimento mundo afora de que a globalização teria chegado ao fim e que uma
nova ordem estaria emergindo. Para suportar esta narrativa, os céticos miram em
manifestações como a desaceleração dos fluxos de comércio, de finanças e de
investimentos, na ascensão do nacionalismo e das políticas protecionistas, na
guerra comercial, na contestação a iniciativas multilaterais, no crescente
controle de investimentos estrangeiros e nas políticas anti-imigração. E a isto
agregam sentimentos negativos da população, que creditaria o aumento do
desemprego e da desigualdade à globalização.
Mas será mesmo que a
globalização estaria em retirada? Se medirmos integração e interdependência
econômica entre países – que são as principais características definidoras da
globalização – por fluxos comerciais de bens e serviços e por fluxos
financeiros e de investimentos, como normalmente é feito, então haveria sinais
de uma possível pausa. Porém, se usarmos métricas mais alinhadas com a dinâmica
econômica do século XXI, então haveria sinais de que a globalização estaria
acelerando e não recuando.
E que métricas são
essas? Trata-se de indicadores de integração e de interdependência econômica
entre países que vão muito além do comércio e dos fluxos financeiros. Considere
o que passa no campo dos padrões técnicos e regulatórios. As últimas décadas
presenciaram uma verdadeira globalização de padrões, protocolos, certificações,
processos e normas de controle e monitoramento em áreas relativamente simples,
como a de transportes por contêineres, e em áreas mais complexas, como a de
produção de bens e serviços, comunicações e temas fitossanitários, de segurança
e de qualidade, dentre tantas outras áreas.
Essa padronização
reduz os tempos, aumenta a previsibilidade, permite a identificação de riscos e
seus mitigantes, pavimenta cadeias de valor e, assim, encurta caminhos,
estimula investimentos e fluxos de fatores e viabiliza a integração da produção
e dos mercados. As perspectivas para o futuro são de ampliação do escopo e da
intensidade dessa padronização.
Considere, ainda, o
que passa com as plataformas e redes de serviços digitais e comércio eletrônico
e com as plataformas e sistemas operacionais de telefonia celular e de
computadores. Testemunhamos uma sem precedentes massificação do acesso a
serviços digitais que está conectando a tudo e a todos. Essa conexão é possível
por meio de sistemas operacionais e protocolos padronizados da internet que
permitem que bilhões de usuários se comuniquem a custo quase zero, acessem
simultaneamente conteúdos digitais e façam negócios desde praticamente qualquer
lugar do mundo.
Expansão da
conectividade, queda dos custos de computação e de sensores e nível
relativamente baixo de regulamentação nos mercados digitais estão acelerando a
adoção e o uso de tecnologias digitais, permitindo o surgimento de toda uma
nova geração de modelos de negócios e fomentando a integração econômica. A
tendência é de que essa comoditização digital siga aumentando.
Mas há, ainda,
outras evidências que apontam o avanço da globalização. Pense nos mercados
financeiros e de capitais, que estão cada vez mais unidos por produtos e
serviços, o que é viabilizado pela padronização de rotinas, processos e normas
contábeis e regulatórias, pelas políticas de gestão financeira e de riscos e
pelos sistemas de pagamentos. Tudo isto está promovendo integração econômica e
crescente interdependência das economias.
Pense, também, na
sem precedentes consolidação dos mercados de bens e serviços, em que cada vez
menos tomadores de decisão exercem cada vez mais influência sobre os mercados e
sobre os investimentos em nível mundial, o que integra modelos de negócios e
mercados. As evidências sugerem que a consolidação de mercados seguirá crescendo
nos próximos anos.
Por fim, a despeito
das recentes indicações de políticos por preferências por relações econômicas
bilaterais entre países, vários acordos comerciais plurilaterais foram
aprovados ou estão em negociação promovendo harmonização técnica e regulatória
e padrões de referência em áreas tão variadas como serviços, compras
governamentais, economia digital, investimentos, propriedade intelectual,
condições de trabalho, padrões fitossanitários, governança de empresas estatais
e meio ambiente. Essa harmonização também está contribuindo para aproximar e
integrar mercados.
Com a computação
quântica, a tecnologia 5G e a internet das coisas, as oportunidades de
colaboração e compartilhamento serão ainda maiores e as atividades econômicas
se tornarão ainda mais fluidas. De fato, estamos numa era em que o intangível
ganhou protagonismo na formação do valor, as cadeias globais de valor estão se
regionalizando e muitas formas de integração econômica não são captadas pelas
contas nacionais e tampouco pelos livros dos reguladores.
Portanto, podem ser
precipitadas as conclusões de que a globalização estaria chegando ao fim, posto
que os céticos normalmente não levam em conta dimensões mais sofisticadas da
integração dos mercados e da interdependência das economias. Ao que parece, a globalização
estaria se transformando e não recuando.
Dentre os temas que
mais poderão ameaçar a globalização estão as tensões sociais associadas aos
impactos das novas tecnologias, ataques cibernéticos que interfiram na
integridade e na segurança dos dados e sistemas e bloqueios deliberados ao uso
de plataformas, sistemas operacionais, sistemas de pagamentos e protocolos
digitais, criando muros e apartando pessoas, negócios e até países.
*Jorge Arbache é
vice-presidente de Setor Privado do Banco de Desenvolvimento da América Latina
(CAF)
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