Antes mesmo de
assumir o mandato de presidente da República, mas já eleito, Jair Bolsonaro
(PSL) ameaçava retaliar com corte de publicidade federal veículos de imprensa
que se
comportassem “dessa maneira indigna”. Esta Folha, então, era o
alvo apenas circunstancial.
Bolsonaro assestava
contra a imprensa livre, compromissada com a busca da verdade e desatrelada de
governos, partidos e dogmas.
Havia ainda, vale
notar, uma outra ofensa implícita na conduta do candidato que acabava de sair vitorioso
das urnas —ao princípio constitucional da impessoalidade na administração
pública.
Não cabe ao
governante discriminar, com a investidura concedida pela população, quem lhe
cause transtorno. Está obrigado a comportar-se com a equidistância do magistrado,
nos limites fixados pela lei e pela jurisprudência.
Frustrou-se até
agora quem apostou na capacidade de civilizar-se do político periférico e rude
alçado de repente a chefe de Estado. Jair Bolsonaro, há mais de sete meses no
Planalto, continua a reagir mais com o fígado do que com a cabeça.
A medida
provisória que suspende a necessidade de publicação de balanços em jornais foi,
nas palavras presidenciais, uma retribuição ao tratamento crítico que recebe de
veículos de comunicação.
A motivação
persecutória e casuística se ressalta pelo fato de a liberalização já
estar encaminhada, com prazo para vigorar em 2022, em lei sancionada pelo
próprio presidente.
O governo Bolsonaro,
que em março puniu o fiscal responsável por aplicar multa ambiental ao então
deputado pelo Rio, reincidiu nesta semana na retaliação pessoal ao cortar
contrato de serviços jurídicos da Petrobras com o presidente da Ordem
dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz.
O advogado havia
sido covardemente insultado pelo presidente da República, que insinuou conhecer
fatos desabonadores sobre o pai de Santa Cruz, militante de esquerda
assassinado pelo aparelho repressivo da ditadura militar —cujo legado de
violações dos direitos humanos Bolsonaro voltou a exaltar nesta quinta
(8) ao
homenagear a memória de um torturador.
A fronteira entre a
pessoa do presidente e o decoro exigido pela elevada função que desempenha não
tem sido ultrapassada apenas para o exercício da vingança. A insistência na
nomeação do filho para embaixador em Washington retrocede ao tempo do
despotismo monárquico e emula práticas de ditadores de regimes caricatos.
Mas o Brasil não é
uma dessas republiquetas. Aqui a imprensa continuará a exercer o seu papel de
vigilância. O Legislativo, os tribunais e os demais órgãos de controle não
hesitarão em vetar, como já têm feito, os atos autoritários e ilegais que
vierem do Executivo.
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