De uma certa forma, tento falar disso há muito tempo:
Bolsonaro não tinha noção das forças que enfrenta quando está em jogo o futuro
da Amazônia. É algo que acontecia também com seu ministro Onyx Lorenzoni. Ele
disse que não iria ver as queimadas na Amazônia porque há coisa mais importante
para fazer.
Como assim? Pareciam ignorar até mesmo a repercussão
internacional dessas queimadas. Grande parte do planeta preocupada com o tema;
Onyx subestimava. Por muito menos, nas queimadas de Roraima, ministros se
deslocaram para lá. Ver o que estava sendo feito, o que era preciso fazer.
Isso numa semana intensa, em que o crepúsculo precoce em São
Paulo intrigou a população. Era resultado de queimadas, possivelmente da região
de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. Mas, de uma certa maneira, realçaram a
preocupação com queimadas.
O secretário-geral da ONU se diz preocupado. Macron também
se diz preocupado, embora use uma foto antiga e repita o mito da Amazônia
pulmão do mundo.
Bolsonaro não inventou as queimadas. Existe uma estação
anual do fogo. Mas sabotou muitas formas de combatê-la. Inicialmente, anunciou
sua oposição às multas do Ibama, proibiu que fossem destruídos equipamentos
clandestinos na mata, questionou os dados do Inpe, demitiu o diretor, rompeu
com o Fundo Amazônia, hostilizou a Alemanha e a Noruega. Que, por sinal,
financiam a prevenção às queimadas.
O nível de desmatamento sempre aumenta quando diminui a
fiscalização. E todos que conhecem um pouco da Amazônia sabem da importância do
fator subjetivo. Os desmatadores leem atentamente os sinais do governo. Bolsonaro
sinalizou com enérgicas bandeiradas permissivas.
Caminhamos agora para uma grande turbulência. A ideia de
refugiar-se no nacionalismo acaba fazendo do Brasil que deseja manter a
floresta de pé uma parte da conspiração estrangeira para entregar a Amazônia.
Bolsonaro tende à aventura isolacionista. O caminho é
reconhecer a importância planetária da Amazônia, conjugar esforços
internacionais para preservá-la e valorizá-la pelo conhecimento.
Num programa de TV, o cientista Carlos Nobre mencionou o
açaí, um caso de sucesso rendendo por hectare dez vezes mais que a pecuária.
Nos Estados Unidos, o açaí virou moda e seu consumo certamente inspira
pesquisas para melhorar e encarecer o produto.
Há pelo menos 400 plantas amazônicas que poderiam ser
desenvolvidas, centenas com propriedades medicinais a serem pesquisadas.
Grandes equívocos ambientais são provocados pela busca da
riqueza. A política amazônica do governo é um equívoco provocado pela busca da
pobreza. Ameaça destruir a biodiversidade em busca de minério, ignorando que o
maior valor está sendo destruído.
Se tudo se desse apenas num espaço da economia, já seria um
erro. Diante dos olhos do mundo, o governo Bolsonaro se comporta como um aprendiz
de feiticeiro. Inclusive com respostas patéticas. Bolsonaro divulgando vídeo de
caça à baleia na Dinamarca e acusando a Noruega. Onyx afirmando que a pressão
europeia se deve a interesses econômicos, sobretudo porque a esquerda no
Pós-Guerra abraçou a ecologia. Macron não é de esquerda; muito menos Angela
Merkel. O secretario-geral da ONU?
Desde o princípio, sabia que isso ia ser problemático para o
Brasil. Bolsonaro não percebeu que, além das ONGs e dos políticos mundiais,
existem milhões no planeta que consideram a Amazônia um bem da Humanidade.
Importante que saibam também que existem brasileiros contra
a política de Bolsonaro. Mesmo porque depositam nas costas do brasileiro no
exterior um fardo que não é dele. De alguma forma, é preciso mostrar que a
visão do governo não é a visão do Brasil. Considerando as condições históricas,
a política de Bolsonaro é apenas um desvario. Ela contraria até as forças que o
apoiaram, como os setores do agronegócio.
No quartel, ouve-se às vezes o grito “meia-volta, volver”.
De um modo geral, vem do oficial superior. Quem vai gritar “meia-volta, volver”
para Bolsonaro será uma grande parte da Humanidade. Vamos testar o seu ouvido.
Infelizmente, já existe um desgaste para a imagem
internacional do pais. É hora de reduzir os danos.
Artigo publicado no Jornal O Globo em 26/08/2019
Nenhum comentário:
Postar um comentário