As revelações espantosas do Ministério Público do Rio de
Janeiro explicitam todos os vícios da carreira de Jair Bolsonaro, apontados
pela imprensa desde a campanha, mas ignorados pelo eleitorado, e também os de
seu primeiro ano de mandato, igualmente assinalados pelo jornalismo
profissional, já aceitos por uma parcela do mesmo eleitorado, mas ignorados
(até aqui) pelo núcleo duro da militância bolsonarista e por setores da elite
liberal. Vamos a eles, em pequenos bombons:
1. Bolsonaro nunca foi baluarte anticorrupção.
Trata-se de uma construção recente essa do Bolsonaro
lavajatista. Em sua carreira, o deputado do baixo clero sempre esteve mais
voltado às pautas corporativas, a fazer da política um negócio em família e a
chocar com opiniões ofensivas que em combater a corrupção. Nunca integrou
nenhuma CPI. Nunca foi do Conselho de Ética. Sempre criticou o Ministério
Público. E, agora se sabe, praticou aquilo que sempre condenou na “velha
política”.
2. Misturar política e família não tem nada de nova
política.
Os Bolsonaro se instalaram no poder sem nenhuma cerimônia.
Na campanha, os filhos deram as cartas. Na posse, Carluxo se aboletou de carona
no Rolls-Royce, numa das cenas mais emblemáticas desta era. Bolsonaro disse que
daria o “filé” aos filhos, que um podia ser ministro e outro, embaixador em
Washington. Juntos, os quatro amealharam patrimônio milionário tendo sido só
políticos na vida. E, agora se apura, muito desse patrimônio pode ter vindo da
prática de “rachadinha” e da existência de funcionários fantasmas. A imprensa
mostrou na campanha. O eleitor fechou os olhos deliberadamente.
3. Decoro e liturgia do cargo importam.
O presidente, com o filho pilhado num escândalo que mistura
laranja com chocolate, se descontrolou na frente do Alvorada. Em sua tradicional
“paradinha”, em que fala de improviso a jornalistas com a claque de apoiadores,
ofendeu repórteres e passou um recibo ao vivo, pelas redes sociais, de que o
caso assombra o clã. Ao presidente da República cabe prestar contas, e não dar
piti. Comunicação improvisada dá nisso, como sempre alertaram aqueles que têm
bom senso. Apelar à comunicação direta como forma de populismo pode parecer boa
ideia aos filhos idólatras e aos puxa-sacos aboletados em cargos públicos, mas
expõe o governante. Bolsonaro sem filtro é isso aí.
4. Paranoia e mania de perseguição são passaporte para o
autoritarismo.
Um presidente que não se vexa em acusar um ex-ministro, sem
nenhuma evidência possível, de integrar um complô para matá-lo, não tem mais
nenhum compromisso com os fatos e com as obrigações que o cargo lhe impõe.
Está, portanto, a um passo de se mostrar disposto a tudo no combate a inimigos
imaginários cada vez mais abundantes e espalhados. Cabe às instituições, como
venho repetindo aqui e não me cansarei de lembrar quantas vezes precisar, dar
um freio aos ímpetos persecutórios e claramente autoritários do presidente.
5. Relação com milícias coloca em xeque o discurso liberal
de que a economia justifica tudo.
Na quarta-feira escrevi que, a despeito de ser um recordista
de impopularidade, Bolsonaro seria favorito em 2022 se a economia seguisse
crescendo, ainda que devagar. Eduardo, o 03, tirou onda, querendo desviar o
foco do irmão chocolatier. Pois a impopularidade está confirmada, mas o
favoritismo será fortemente abalado se o mito de pés de barro ficar nu, como já
está ficando. Além de laranjal e rachadinha, o caso Flávio & Queiroz tem
tudo para deixar ainda mais patente uma explosiva relação do clã com as
milícias do Rio. Algo que será difícil até para a elite liberal, disposta a
fechar os olhos para tudo em nome da agenda econômica, engolir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário