Mais uma vez, o presidente da República demonstrou profundo
desconhecimento sobre o papel e a importância das agências reguladoras ao
reclamar do seu “excesso de independência”. Nada mais errado!
Uma das condições fundamentais para elevar a produtividade
total dos fatores e acelerar o crescimento econômico é investir pesadamente em
infraestrutura, o que, diante de um governo sem recursos, somente pode ser
feito pelo setor privado na forma de concessões. Quando o governo faz um leilão
competitivo – no sentido que é aberto a empresas nacionais e estrangeiras,
evitando a formação de um cartel –, e concede ao ganhador a construção e a
administração de uma rodovia, uma ferrovia, um porto, um aeroporto, uma usina
geradora de energia ou uma linha de transmissão, está também criando um
“monopólio natural”. O concessionário daquele serviço passa a ser o único a
oferecê-lo, e para ser tolhido na tentação de explorar seu “poder de mercado”,
quer elevando as tarifas de forma a penalizar os usuários, quer negligenciando
na qualidade do serviço prestado, tem de obedecer às regras e aos limites
impostos por uma agência reguladora independente, que use critérios técnicos e
econômicos para garantir a qualidade e o preço dos serviços.
No passado, na grande maioria dos países eram os governos
que realizavam tais investimentos. Mas, com o tempo, o mundo foi aprendendo que
– desde que bem regulado – o setor privado é muito mais eficiente do que o
governo. Há extensas análises realizadas por economistas mostrando que as
“falhas do governo” neste campo superam em muito as “falhas de mercado”, que no
passado eram usadas como justificativa para que essa atividade fosse executada
diretamente pelos governos (Megginson e Netter; From State to Market: A Survey
of Empirical Studies on Privatization). Simultaneamente a teoria econômica foi
evoluindo, criando o novo campo – a Teoria da Regulação – que atualmente é
perfeitamente entendido por economistas, formuladores e executores de políticas
públicas, e em cuja criação e desenvolvimento contou com a contribuição de Jan
Tirole, que em 2014 ganhou o Prêmio Nobel por seus estudos nesse campo.
Até recentemente, o Brasil vinha cometendo inúmeros erros no
campo da regulação. Cito apenas dois exemplos. No afã de “exercer a sua autoridade”
de presidente da República, Dilma Rousseff alterou as “regras do jogo” quando
este ainda estava em andamento, quer no caso da renovação de concessões na
transmissão de energia elétrica – através da MP 579 –, quer na fixação dos
critérios relativos ao cálculo da receita de pedágio nas rodovias, quando
eliminou a cobrança de pedágio sobre o eixo suspenso dos caminhões.
Introduziu, com isso, um “risco regulatório” contra o qual o
setor privado teria de se defender elevando as tarifas de forma a produzir uma
taxa de retorno que o compensasse, ou baixando a qualidade do serviço prestado.
Mas a presidente Dilma foi além e, para “proteger” os consumidores de energia
elétrica e os usuários das estradas, colocou um limite superior às taxas de
retorno admitidas nos leilões, que nada tinham de competitivos, compensando o
custo incorrido pelo vencedor do leilão com um subsídio nos empréstimos do
BNDES, que era o único financiador possível naquelas condições. Tal volume de
interferências criou enorme risco, afugentando os investimentos.
Que implicações essas decisões tiveram sobre as agências
reguladoras? Uma de suas tarefas seria observar os dois lados da moeda na
fixação das tarifas, o dos usuários e dos fornecedores do serviço. Para
garantir que a remuneração aos investimentos fosse a mais benéfica para os
usuários, teriam de garantir a ausência de um risco regulatório, o que
significa que teriam de ser as agências, e não o presidente da República, que
determinaria tanto as regras nas renovações das concessões na transmissão de
energia quanto o que os concessionários de rodovias deveriam cobrar no pedágio.
Seguidos critérios técnicos, decididos por agências reguladoras independentes,
tais erros não teriam sido cometidos.
O presidente da República pode ter enorme contribuição ao
bom funcionamento da economia garantindo a independência das agências
reguladoras, impedindo que pressões políticas contaminem as suas decisões. Cabe
às agências independentes exercerem livremente o seu papel.
*Ex-presidente do Banco Central e sócio da A.C. Pastore
& Associados.
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