O presidente Jair Bolsonaro vem numa escalada de falta de
compostura que beira a insanidade. O episódio de ontem, em que destratou
jornalistas, demonstrando falta de educação e preconceitos, é próprio de quem
se sente acuado, e de fato o presi- dente está acuado, pela queda de sua
popularidade, pelas limitações que as instituições democráticas lhe impõem,
pelas denúncias contra seu filho Flávio, que envolvem toda uma família ampliada
que, pelas acusações do Ministério Público do Rio, vivia às custas do Erário
público.
Bolsonaro anda também cercado de fantasmas, desde as
alucinações de que querem vê-lo morto para tomarem-lhe a presidência, até o
impeachment político. O delírio persecutório que revela assiduamente pode fazer
parte de uma personalidade paranoica, agravado pelo atentado contra sua vida,
bastante real.
Mas o impeachment já está colocado e, como é um instrumento
sobretudo político, será acionado, ou não, quando as forças políticas no
Congresso desejarem. Motivos Bolsonaro já deu de sobra, e a falta de decoro de
ontem é apenas mais uma, e não será a última.
A investigação contra o senador Flávio Bolsonaro certamente
está abalando a já desequilibrada personalidade do presidente, embora a punição
dificilmente acontecerá em razão direta das denúncias do Ministério Público.
Mas podem atingir o presi- dente no correr das investigações.
O próprio Bolsonaro, demonstrando o quanto o assunto o
incomoda, já disse que surgirão diálogos que sugerirão que ele tem ligações com
milicianos do Rio de Janeiro. O ex-ministro Bebianno, acusado indiretamente por
Bolsonaro de desejar ser seu vice para substituí-lo em caso de morte, disse
claramente que as ligações de Bolsonaro com milicianos serão demonstradas nas
investigações.
A punição ao senador Flávio Bolsonaro, se houver, não virá
através do Congresso. O presidente do Senado, David Alcolumbre, já disse que
nenhuma denúncia poderá ser analisada no Conselho de Ética porque, se algo
aconteceu, foi quando Flávio era deputado estadual.
Uma possível condenação vai depender de denúncia do
Ministério Público, com argumentos muito fortes, para convencer o Senado a
permitir a punição, mas acho que essa autorização não será dada. No entanto,
politicamente a situação é muito ruim para a família Bolsonaro, e essa
investigação ainda vai bater em situações delicadas, apesar de, concretamente,
ser difícil condenar o senador Flávio Bolsonaro — a não ser que a coisa evolua
de tal maneira que se chegue a uma situação de impeachment.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que Bolsonaro
não tem motivos para se preocupar com um processo de impeachment, mas sobre
outro assunto. O presidente passou dias sugerindo que vetará a proposta de
fundo eleitoral de R$ 2 bilhões aprovado pelo Congresso para a campanha
municipal do próximo ano.
Fez até uma enquete populista com apoiadores na porta do
Alvorada, perguntando, como se fosse um animador de auditório, quem achava que
devia vetar o projeto. Foi aplaudido quando disse que não aprovaria dinheiro
para fazerem campanha eleitoral. Jogou o Congresso contra a opinião pública
quando disse, numa comparação absurda, que com uma verba dessas, o ministro da
Infraestrutura faria várias obras necessárias para o país. Em uma live nas
redes sociais, Bolsonaro depois disse que aguardava parecer jurídico para saber
se poderia vetar o Fundão Eleitoral, com receio de sofrer um impeachment como
retaliação política.
Mais uma tentativa de jogar seus seguidores contra o
Congresso. A relação com os parlamentares, que havia entrado em módulo de
pacificação, voltou a ficar conturbada. A simples ameaça de vetar o Fundo
Eleitoral acirrou os ânimos no Congresso, que promete derrubar o veto —
inclusive porque a proposta de R$ 2 bilhões veio no Orçamento enviado pelo
Palácio do Planalto.
Os problemas da família Bolsonaro com a Justiça, porém,
servirão certamente de instrumento para tentativas de constranger o Palácio do
Planalto. E isso não é paranoia do presidente, é apenas a baixa política, que
sempre foi o terreno das manobras de Bolsonaro.
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