sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

UM CONTO DE NATAL

Flávia Boggio, Folha de S.Paulo
O Natal em família já foi difícil para o cidadão comum, com brigas políticas e perguntas como “Cadê o Queiroz?”. “E o Flávio Bolsonaro?”. Imaginem para quem trabalha com política, é amigo do Queiroz e
pai do Flávio, ou seja, o próprio presidente da República? 
Para não aturar tais aborrecimentos, Bolsonaro aproveitou o tombo no banheiro para passar o Natal sozinho em casa, longe da família.
Na noite do dia 24, enquanto comia um miojo natalino temperado com passas, um vento forte abriu as janelas. Surgiu na sala um fantasma de longa barba branca e capuz vermelho. “Eu sou o espírito de Natal”, ele se apresentou. “Vim ajudá-lo a refletir sobre seu governo.”
Para o presidente, seu primeiro ano tinha sido satisfatório. Estava devolvendo ao país os valores conservadores e da família —embora, ultimamente, estivesse de saco cheio da sua.
Com um estalar de dedos, o fantasma projetou na parede imagens de diferentes lugares do país. Mostrou escolas danificadas e faculdades sucateadas. “Seu governo cortou milhões em verba para educação.” O presidente retrucou: “Mas faculdade só promove balbúrdia. Tem que acabar com isso aí”.
O espírito exibiu filas de desempregados e famílias em situação de miséria. “Vossa excelência prega que ações sociais são assistencialismo”, acusou o fantasma. “Chega a alegar que não existe fome no Brasil.” Bolsonaro discordou mais uma vez, dizendo que nunca viu uma pessoa magrinha na rua.
Projetou imagens da Amazônia devastada pelas queimadas, de animais mortos com óleo e indígenas assassinados. “Seu discurso contra o meio ambiente e a favor dos ruralistas contribui para tragédias como essas.” O presidente protestou: “É tudo culpa das ONGs!”.
Se continuar assim, o espírito advertiu, no futuro, vão se lembrar de Bolsonaro como o pior presidente da história do país. “Mas quem traça o seu destino é você. O que vai fazer para mudar isso?”
Bolsonaro refletiu por um tempo em como gostaria de ser lembrado. Mas logo praguejou: “Esse papo de história e destino é coisa de universitário maconhista”. E empurrou o espírito pela janela. “Cai fora do meu Palácio, seu fantasma esquerdopata. Se quisesse ver retrospectiva, ligava na Globo Lixo, taokey?”
Flávia Boggio
Roteirista e autora do núcleo de humor da Globo
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