“Libertaremos o
Brasil e o Itamaraty das relações internacionais com viés ideológico a que
foram submetidos nos últimos anos.”
A sentença foi lida
por Jair Bolsonaro em seu primeiro pronunciamento formal após ser eleito
presidente, no dia 28 de outubro de 2018. Pouco mais de um ano depois, o
Itamaraty está mais do que nunca atado a visões ideológicas.
A ruptura com o
antiamericanismo mais pueril dos anos petistas começara já na gestão de Dilma
Rousseff e se acentuara sob Michel Temer (MDB). Bolsonaro exacerbou o processo
—jogando fora tanto esquerdismos quanto uma desejável isonomia diplomática.
À primeira vista, as
sandices antiglobalistas da trupe que assumiu as relações exteriores, formada
por discípulos do escritor Olavo de Carvalho, poderiam parecer mera retórica,
sem impacto concreto.
Entretanto foi do
órgão comandado por dentro pelo chanceler Ernesto Araújo e por fora pelo
deputado e filho 03 Eduardo Bolsonaro, com palpites do assessor Filipe Martins,
que partiram algumas das crises mais palpáveis do ano.
O presidente
expressou seu desejo de alinhar-se tão automaticamente quanto possível às políticas
do americano Donald Trump,
seu modelo declarado de governante.
Disso saiu um
sem-número de concessões e frustrações: a
vaga que não veio na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), a isenção
unilateral de visto de entrada para cidadãos dos EUA, a permanência do
veto americano à carne brasileira, o apoio
ao embargo a Cuba.
A fechar o ano, a
ameaça —não cumprida, ao menos até aqui— de taxação das compras de aço e
alumínio do país por Trump.
Até a estabanada —e frustrada—
tentativa de elevar o neófito Eduardo Bolsonaro à condição de embaixador em
Washington foi calcada numa suposta proximidade pessoal das famílias
presidenciais.
Por óbvio, convém
manter boas relações com a maior potência econômica e militar do mundo. Daí à
genuflexão há distância, contudo.
Na América Latina,
Brasília afastou-se do papel de líder natural. Depois de intrometer-se na
eleição presidencial argentina, Bolsonaro antagonizou-se com o maior parceiro
local porque saiu vitoriosa uma candidatura à esquerda.
Quanto à arruinada
Venezuela, a influência americana quase gerou um desastre no começo do ano,
quando o governo flertou com a ideia de intervenção contra a ditadura de
Nicolás Maduro. O despautério acabou devidamente abortado pela cúpula militar.
De modo semelhante,
a pasta da Agricultura conseguiu impedir que fosse levada a cabo outra intenção
desastrosa —a prometida mudança da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv
para Jerusalém.
A medida agradaria
ao aliado Binyamin Netanyahu e a Trump, mas sobretudo o eleitorado evangélico
que encara a consolidação do Estado judeu como um preâmbulo para a volta de
Cristo.
O custo de tais
benefícios nebulosos seria a indisposição com os países árabes, que veem
Jerusalém como capital da Palestina —e são compradores de fatia expressiva de
proteína animal brasileira.
O caso, de todo
modo, permanece inconcluso. Na abertura do escritório comercial brasileiro na
cidade, poucos dias atrás, reiterou-se o intento de mudar a embaixada.
Mesmo o único
sucesso incontestável da presente gestão no setor externo —a assinatura em
junho do acordo Mercosul-União Europeia— encontra-se sob risco, em particular
devido à péssima imagem da política ambiental.
O acerto ainda
precisa da ratificação de todos os países envolvidos, e poucos temas são tão
sensíveis na Europa quanto a crise climática. Bolsonaro, ademais, expôs-se a
esnobar a embaixador francês e insultar a mulher do presidente Emmanuel Macron
enquanto ardia a crise dos incêndios da Amazônia.
Também nesse caso,
atores mais racionais da área econômica e até do Legislativo intervieram para
tentar reconstruir pontes.
Ao menos em relação
à China, a vocação errática da política externa proporcionou
avanços. Das diatribes de campanha eleitoral, quando o hoje presidente
dizia que a ditadura comunista estava “comprando o Brasil”, evoluiu-se para a
aposta em alianças comerciais com o gigante asiático.
No giro
internacional de outubro, que incluiu China, Japão e nações do Golfo Pérsico, o
pragmatismo se impôs, e o país tem se beneficiado da constante presença chinesa
em leilões de infraestrutura.
Trata-se de algum
alento. Se temos de conviver com o besteirol ideológico dos condutores da área
externa, que a interposição da realidade pelas circunstâncias e por agentes
externos possa evitar erros maiores e abrir oportunidades.
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