O encontro anual do Fórum Econômico Mundial, realizado na
cidade suíça de Davos, é, em geral, uma vitrine para governantes e empresários
mostrarem ao mundo seus melhores produtos: oportunidades de investimentos,
robustez de economias, crescimento de mercados consumidores e políticas
públicas “pró-business”, além de apresentar tendências de negócios e
empresariais.
Esse roteiro foi protagonizado por alguns dos representantes
brasileiros no evento – tanto agentes políticos (entre eles o ministro da
Economia, Paulo Guedes, e o governador de São Paulo, João Dória) quanto
financeiros (o CEO do Itaú Unibanco, Cândido Bracher, e o presidente do
Bradesco, Luiz Carlos Trabuco). No entanto, fica a questão: o que esses mesmos
representantes trouxeram de Davos?
Houve um componente especial na edição de 2020. Pela
primeira vez em 50 anos, a bandeira central da conferência foi a questão
ambiental, tratada como crise climática. O Fórum evidenciou que o meio ambiente
já altera dinâmicas econômicas, de mercados e sociais, representando, assim,
riscos para os negócios.
O Relatório Global de Riscos 2020, apresentado em Davos,
alocou como riscos de maior probabilidade e maior impacto os seguintes
elementos: eventos climáticos extremos, fracasso das medidas climáticas,
desastres naturais e perda da biodiversidade.
Há muito é evidente que o mundo vem sofrendo com esses
problemas. No Brasil, em específico, períodos de estiagens prolongadas e mais
severas, queimadas e desmatamento na Amazônia, chuvas em excesso em ambientes
urbanos, entre outros, são acontecimentos recorrentes. Alguns desses eventos
impactam, por exemplo, o setor de energia elétrica (disponibilidade de água
para geração hídrica e térmica) e o agronegócio – carro-chefe da economia
brasileira –, afetado diretamente pela escassez de recursos hídricos, pela
ocupação do solo e pelas demais condições de clima no dia a dia da produção.
O estudo Setor Elétrico: como precificar a água em um
cenário de escassez, lançado recentemente pelo Instituto Escolhas, precificou a
escassez de água em algumas importantes bacias hidrográficas do País. Na bacia
do Rio Xingu é estimado prejuízo de R$ 2 bilhões por ano na perda de energia
firme da usina hidrelétrica de Belo Monte, motivado por conflito pela água,
enquanto na bacia do Rio São Francisco o custo da escassez pode atingir R$ 2,5
bilhões, entre energia e agricultura, com impactos no processo de privatização
da Eletrobrás.
Há a percepção de que esses custos e riscos não estão
adequadamente precificados por financiadores, empreendedores, produtores e
governantes no planejamento e aprovação de negócios, regulações, investimentos
e políticas públicas.
Os líderes financeiros do Brasil que foram a Davos poderiam
ter retornado imbuídos da determinação de fazer suas instituições formularem
novas metodologias de custos e riscos ambientais para empreendimentos que serão
afetados pelas mudanças climáticas, tais como energia, agricultura, mineração e
infraestrutura em geral, entre outros. Poderiam também adotar novas políticas
de gestão de carteiras e créditos, condicionando os investimentos das
instituições a compromissos ambientais preestabelecidos, conforme amplo debate
sobre financiamento verde realizado em Davos.
Exemplos apresentados no Fórum não faltam. Agentes
financeiros internacionais já utilizam cálculos de risco climático e políticas
verdes de gerenciamento de carteiras de investimento. O banco francês BNP
Paribas, por exemplo, gera uma “métrica de temperatura” em suas operações e
pode decidir pela recusa do investimento caso o empreendimento não contribua
para ações de mitigação das mudanças do clima. Metodologias semelhantes são
aplicadas pelas seguradoras francesas AXA e Scor.
Neste novo contexto, o anúncio mais impactante do setor
financeiro veio da gestora de ativos BlackRock, uma das maiores do mundo, ao
informar que limitará investimentos em empreendimentos não aderentes às
políticas climáticas e somente alocará recursos em negócios verdes. Larry Fink,
CEO da instituição, comentou que está na fronteira de mudanças fundamentais e
estruturais nas finanças globais.
Pelo lado governamental, o ministro Paulo Guedes, da
Economia, poderia ouvir mais. Os custos e riscos climáticos tendem a ser
assumidos pelo Tesouro Nacional ou pela sociedade, via custo Brasil – é o caso
dos custos do setor de energia, que são pagos pelos consumidores. Reguladores
britânicos e franceses, além do Banco da Inglaterra, já estudam regras
específicas de precificação desses elementos nas suas políticas públicas e
normas para investimentos.
Assimilar e implementar localmente essas discussões, os
exemplos, os negócios e as políticas mais avançadas para lidar com o principal
fator de risco, a mudança climática, deveriam ser o compromisso central de quem
foi passar aqueles dias na neve suíça. O dever de casa está dado!
FORMADO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS, MESTRE EM ECONOMIA
INTERNACIONAL E DESENVOLVIMENTO PELA UNIVERSITY OF APPLIED SCIENCES BERLIN, É
GERENTE DE PROJETOS E PRODUTOS DO INSTITUTO ESCOLHAS
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