Está na história. Em fins dos anos 70, era mais fácil
encontrar um pinguim do que um militar fardado nas ruas do Brasil. Era como se,
encerrado o expediente em seus então milhares de empregos oficiais, os
militares pendurassem o uniforme no armário e só saíssem à paisana, para evitar
constrangimentos. E com razão: sob uma ditadura já velha de 15 anos, que não
metia mais medo em ninguém, um oficial fardado numa fila de cinema arriscava-se
a que populares lhe mostrassem a língua. O povo estava farto deles. Mas só em
1985, vitorioso Tancredo Neves, eles marcharam de volta para o quartel e se
dedicaram a tentar limpar sua imagem horrível perante a nação.
O que custou décadas, porque havia muito a limpar: a
violência das cassações, prisões, torturas e mortes, as cínicas trapaças
eleitorais, as sucessivas crises da economia e, como sempre, os acordos
corruptos de seus tecnocratas com os piores empresários e políticos nacionais.
Mas, milagrosamente, os militares conseguiram. Nos mais de 30 anos desde então,
em que eles se conservaram à margem da política e do poder —e das tramoias dos
vários governos do período—, o povo voltou a vê-los com simpatia e
respeito.
Pois, graças ao governo Bolsonaro,
essa imagem respeitável volta a correr perigo. Ao entupir
seu gabinete de generais fanzocas e induzir seus subordinados a se
cercar de oficiais menores, Bolsonaro está promovendo uma contaminação. Em
breve, para o povo, o Exército será cúmplice do descalabro presidencial.
Por enquanto, os generais que Bolsonaro arrebanhou, e a quem
impõe seu estilo desqualificado de governar, são dos que comandam mesas. Não se
sabe o que pensam os que comandam tropas —e que, para começar, serão chamados a
enfrentar as polícias militares dos Estados, no que o próprio Bolsonaro já
chamou de “guerra urbana”.
Guerra esta que, por algum motivo, ele parece felicíssimo em
insuflar.
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen
Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
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