A nossa folia e fé segundo Freud, Dante, Christopher
Hitchens, Alain de Botton e Kierkegaard. Humanos não se apertam, não é mesmo?
Brasileiros em especial. Diferentes de qualquer outra espécie há competência
para inventar camadas de realidade que nos convencem do que quisermos
acreditar. Veio o homem e inventou o pecado como justificativa para o
sofrimento inerente à condição humana. Aí os brasileiros inventaram o Carnaval,
que é dar um refresco. Você vai dizer que o Carnaval não é invenção nossa, mas
é. Esse Carnaval raiz, de xixi na rua, pegação e roubo de celular, que amamos
tanto, é made in Brazil, sim senhor. E inventamos porque brasileiro está
convencido que ser santo o ano todo é um inferno. De um lado, a Fé nos impõe a
culpa pelos pecados, mas também o conforto diante das vicissitudes da
existência.
Freud dizia que, ao acreditar no sagrado, a gente permite se
infantilizar. Nos colocar nos braços de quem nos ama e prometer cuidar e
proteger para a eternidade, desde que a gente cumpra lá uma meia dúzia de
obrigações contratuais. Num pêndulo, como o político, do outro lado está o
Carnaval. O Carnaval é de esquerda. Fé é de direita, arrisco polemizar. Ambos,
no Brasil, são a prova de que somos polarizados muito além da política. A festa
pagã permite usar nosso livre-arbítrio da forma mais animal que concebermos.
Se, como rotina, optarmos pela vida dos pecados de Momo (não confundir com
Moro), iremos para o quinto dos infernos, que para Dante é um shopping de nove
pisos. Um lugar terrível que vai do confronto com monstros mitológicos até uma
convenção do PT presidida pela Gleisi Hoffmann. Não me ocorre sofrimento maior.
Já segundo Christopher Hitchens, se optarmos pela seriedade
da religião – seja ela qual for – que simbolizo aqui pela retidão de um Moro
(não confundir com Momo), estaríamos nas mãos de um ditador. Ainda segundo
Hitchens, um ditador que se ocupa com o que comemos, com o que sonhamos, o que
pensamos, quem amamos, e o que fazemos com nossos amados, principalmente quando
estamos sem roupa. Moro e Momo, nesse contexto, são os dois opostos
polarizados. O sensato e o libertino. Cada um cuidando de tolher e liberar,
respectivamente. Ambos nos liberam do pecado original e, de quebra, limpa nosso
nome no Serasa e manda para a cadeia os corruptos do PT.
É justamente nesse arcabouço político-religioso que repousa
o sucesso do nosso presidente. Pelo inconsequente coletivo, Bolsonaro foi
eleito pai, protetor e redentor. Cabe como luva o discurso contra o mal
representado por Lula que, expatriado e excomungado, terá que viver para sempre
entre o inferno de Curitiba e o purgatório dos palanques. Cabe, também, as
piadinhas sexuais, as graças escatológicas e carnavalescas. Para o mito, cabe a
simbologia dos revolvinhos, que é seu sinal da cruz. No Bolsonicismo cabe Olavo
de Carvalho, o sábio. Em nome do pai e dos filhos cabe a santíssima trindade do
zero um, dois e três. Cabe a repetição da ladainha de acusações e propostas, a
oração que, segundo Alan de Bottom, é o mais eficiente método de convencimento
e que deveríamos aprender. Rezar, diz ele, é repetir ad aeternum os preceitos
mais simplistas de um dogma. Até que virem nossa segunda natureza.
Bolsonaro repete, a cada oportunidade, seus mesmos preceitos
simplórios. Sem nenhuma criatividade, como tem mesmo que ser. O resultado é
evidente. Um séquito de beatos e beatas acredita piamente no mito e a procissão
segue rumo a um juízo final, ou, nas palavras de Kierkegaard: “A função da
oração não é influenciar Deus, mas mudar a natureza daquele que ora.” Só o
Carnaval nos salva.
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