Toda essa desavença entre Executivo e Legislativo pelo
orçamento da União surgiu de um raciocínio equivocado do ministro Augusto
Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Não me refiro ao
palavrão que gerou a convocação da manifestação do “fod*-se”, mas à idéia de
que se o Congresso quer mudar as regras do presidencialismo, que aprove o
parlamentarismo.
A separação dos poderes, criada na Constituição americana em
1789, é característica do presidencialismo. Existia na teoria, principalmente
pela famosa obra de Montesquieu “O espírito das leis”, e de forma incipiente na
Inglaterra.
A primeira república constitucional do mundo moderno é
considerada a dos Estados Unidos, com a base de que quem dá os rumos é o
Congresso. No presidencialismo, um deputado, um senador, não tem chefe, muito
menos poderia ser subordinado ao chefe de outro Poder, o Executivo. Por isso,
para que um parlamentar americano seja ministro, precisa renunciar ao seu mandato,
e não apenas licenciar-se, como acontece no Brasil.
O que não tem a ver com o presidencialismo é a democracia
direta, baseada em plebiscitos ou referendos, e em convocações de manifestações
para pressionar o Legislativo ou o Judiciário. Essa é a maneira usada pelos
bolivarianos que tanto Bolsonaro combate.
A disputa entre Executivo e Legislativo em torno do
Orçamento tem origem nas colônias americanas da Inglaterra, que se rebelaram
por quererem ter representantes presenciais no Parlamento em Londres, em vez de
uma representação apenas virtual como queriam os ingleses. A frase “No taxation
without representation” (Nenhuma taxação sem representação) tornou-se o símbolo
de um movimento de autonomia das 13 colônias americanas que culminou, anos
depois, em 1776 na fundação dos Estados Unidos.
No Brasil, o orçamento sempre foi uma peça de ficção
dominada pelo Executivo, tanto que ele era considerado “autorizativo”, isto é,
o Executivo poderia liberar as verbas que quisesse. Há quem considere que a
aprovação do orçamento impositivo no que se refere às emendas dos deputados e
senadores e das bancadas, como existe hoje, pode trazer um benefício: acabar o
“é dando que se recebe” com relação às emendas parlamentares, provocando uma
redefinição de forças no Congresso porque parlamentares deixariam de se alinhar
automaticamente com o governo só para liberar suas emendas.
Este é o estranhamento do governo Bolsonaro, que pretende
representar a “nova política”, mas se espanta quando o Congresso ganha
autonomia de gastos. Um efeito colateral da demonização que Bolsonaro faz da
política partidária. Os parlamentares assumiram o controle do Orçamento
querendo ser independentes do Executivo.
Se o governo tivesse uma base parlamentar sólida, não
haveria problema, pois essa maioria controlaria o Orçamento de acordo com um
programa de governo estabelecido em consonância com o presidente eleito.
Como estamos em ano eleitoral, essa disputa pelas verbas
públicas se acirrou. Ontem, a Secretaria de Governo anunciou que somente
liberará até março 30% das emendas impositivas, o que parece a deputados e
senadores uma retaliação à posição majoritária de derrubar os vetos do
presidente Bolsonaro, alargando o controle do Orçamento pelo Legislativo.
Como o prazo máximo de liberação de verbas para obras antes
das eleições municipais é julho, e o governo pode liberar as emendas até
dezembro, temem os políticos que elas ficarão retidas pelo Executivo, sem poder
serem usadas a tempo de impactar as eleições.
Se o veto for derrubado na semana que vem, R$ 30,1 bilhões
em emendas serão liberados pelos próprios parlamentares neste ano. O problema
não é o volume de dinheiro à disposição do Congresso. Nos Estados Unidos, o
orçamento é totalmente impositivo e controlado pelo Congresso, que pode alterar
integralmente a proposta do Executivo.
É claro que não acontece a toda hora, mesmo quando o
presidente eleito não tem a maioria na Câmara, como é o caso hoje de Trump. Mas
a Câmara tem poder para negar verba extra ao presidente, e nesse caso paralisa
os serviços públicos federais.
A alternativa que a Câmara e o Senado no Brasil encontraram
para sobreviver à campanha de demonização da negociação política, depois dos
escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava Jato, foi assumir o
controle das reformas estruturais de que o país precisa, e, ao mesmo tempo,
controlar o Orçamento para ter condições de atender às necessidades de
eleitores em seus Estados e municípios.
O que vai ficar agora sob o escrutínio da opinião pública é
o que farão com essa dinheirama.
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