Ofuscado por seu ministro da Saúde, a reboque do Congresso e
impotente diante de decisões tomadas por governadores e prefeitos, o presidente
Jair Bolsonaro preserva o poder de agravar a já trágica crise sanitária e
econômica do novo coronavírus. À falta de ideia melhor, ameaça exercê-lo.
Assim se deu na segunda-feira (6), quando Brasília ficou
paralisada por temores
e especulações acerca da demissão iminente do ministro Luiz Henrique Mandetta,
de trabalho amplamente aprovado pela população no combate à disseminação da
Covid-19.
O próprio Bolsonaro se encarregara de semear as incertezas
nos dias anteriores, ao manifestar de público seu incômodo
com a desenvoltura do titular da pasta da Saúde —que, além de reunir
as experiências de médico e gestor, é político capaz de aproveitar bem a
intensa exposição midiática proporcionada pela pandemia.
Na véspera, o presidente havia bravateado, diante de um
grupelho de religiosos aglomerados em frente ao Palácio da Alvorada, sobre seu
suposto destemor em usar a caneta contra auxiliares
que “viraram estrelas”. A coragem não chegou ao ponto de nominar alvos em
potencial, mas o recado foi dado.
Na segunda, sua agenda fazia saber que receberia em almoço,
além do primeiro escalão palaciano, o deputado Osmar Terra (MDB-RS), um
ex-ministro cujas ideias tacanhas incluem críticas de escassa fundamentação
científica às políticas de isolamento —o bastante para ser tido como candidato
a substituir Mandetta.
Convocou-se ainda reunião ministerial cuja utilidade
permanece um mistério. Dela, Bolsonaro saiu calado, enquanto o titular da Saúde
voltou ao ministério para um pronunciamento sobre a importância de persistir
nas políticas recomendadas por especialistas e superar os obstáculos que
enfrenta.
Nesse meio tempo, segundo se noticia, o presidente ouviu
ponderações da ala militar do governo e recebeu pressões do Legislativo.
Mandetta, recorde-se, é ligado ao DEM, partido dos presidentes da Câmara e do
Senado.
Nada disso deveria ser necessário. A eventual demissão do
auxiliar, para além de sua motivação torpe, não faz sentido nem como cálculo
político interesseiro. Nessa hipótese, o demitido sairia como herói, e todo o
desgaste resultante das duras semanas que se avizinham recairia sobre
Bolsonaro.
O Brasil empobrecido enfrentará mais uma recessão econômica,
que não será evitada por diatribes contra quarentenas ou propagandas de
cloroquina. Espera-se de um líder que dê sentido aos sacrifícios —salvar vidas—
e demonstre com atos, em vez de tagarelice estéril, a disposição de minorá-los.
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