quarta-feira, 8 de abril de 2020

PODER DESTRUTIVO

Editorial Folha de S.Paulo
Ofuscado por seu ministro da Saúde, a reboque do Congresso e impotente diante de decisões tomadas por governadores e prefeitos, o presidente Jair Bolsonaro preserva o poder de agravar a já trágica crise sanitária e econômica do novo coronavírus. À falta de ideia melhor, ameaça exercê-lo.
Assim se deu na segunda-feira (6), quando Brasília ficou paralisada por temores e especulações acerca da demissão iminente do ministro Luiz Henrique Mandetta, de trabalho amplamente aprovado pela população no combate à disseminação da Covid-19.
O próprio Bolsonaro se encarregara de semear as incertezas nos dias anteriores, ao manifestar de público seu incômodo com a desenvoltura do titular da pasta da Saúde —que, além de reunir as experiências de médico e gestor, é político capaz de aproveitar bem a intensa exposição midiática proporcionada pela pandemia.
Na véspera, o presidente havia bravateado, diante de um grupelho de religiosos aglomerados em frente ao Palácio da Alvorada, sobre seu suposto destemor em usar a caneta contra auxiliares que “viraram estrelas”. A coragem não chegou ao ponto de nominar alvos em potencial, mas o recado foi dado.
Na segunda, sua agenda fazia saber que receberia em almoço, além do primeiro escalão palaciano, o deputado Osmar Terra (MDB-RS), um ex-ministro cujas ideias tacanhas incluem críticas de escassa fundamentação científica às políticas de isolamento —o bastante para ser tido como candidato a substituir Mandetta.
Convocou-se ainda reunião ministerial cuja utilidade permanece um mistério. Dela, Bolsonaro saiu calado, enquanto o titular da Saúde voltou ao ministério para um pronunciamento sobre a importância de persistir nas políticas recomendadas por especialistas e superar os obstáculos que enfrenta.
Nesse meio tempo, segundo se noticia, o presidente ouviu ponderações da ala militar do governo e recebeu pressões do Legislativo. Mandetta, recorde-se, é ligado ao DEM, partido dos presidentes da Câmara e do Senado.
Nada disso deveria ser necessário. A eventual demissão do auxiliar, para além de sua motivação torpe, não faz sentido nem como cálculo político interesseiro. Nessa hipótese, o demitido sairia como herói, e todo o desgaste resultante das duras semanas que se avizinham recairia sobre Bolsonaro.
O Brasil empobrecido enfrentará mais uma recessão econômica, que não será evitada por diatribes contra quarentenas ou propagandas de cloroquina. Espera-se de um líder que dê sentido aos sacrifícios —salvar vidas— e demonstre com atos, em vez de tagarelice estéril, a disposição de minorá-los.
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