Acabou, porra! Esta frase de Bolsonaro, dita na porta do
Palácio da Alvorada, me lembrou uma outra frase de um personagem de “Esperando
Godot, peça de Samuel Beckett: “Acabou, acabamos.”
Esta lembrança surgiu porque há alguns dias fizemos uma
live, eu e o querido embaixador Marcos Azambuja, cujo título era: “Esperando
Godot, a tempestade perfeita.” Nesse encontro, promovido pelo Centro Brasileiro
de Relações Internacionais, defendi a tese de que a tempestade perfeita no
Brasil era produzida pela associação da pandemia com a presença de Bolsonaro no
poder. Há outras combinações no mundo: nos EUA, por exemplo, coronavírus e
racismo.
Bolsonaro disse esta frase porque não quer respeitar as
decisões do STF, onde, no momento, tem duas preocupações: um inquérito sobre
sua interferência na Polícia Federal e outro sobre a máquina de fake news
montada por gente muito próxima a ele.
Filho de Bolsonaro, Eduardo entra no nosso ônibus e diz: eu
poderia estar fritando hambúrguer nos Estados Unidos, mas vim avisar que haverá
uma ruptura, não é questão de se, mas de quando acontecerá.
Juristas ultraconservadores acham o artigo 142 como saída.
Se Bolsonaro não aceita as decisões do Supremo, as Forças Armadas têm de
funcionar como Força Moderadora, obrigando o Supremo a aceitar tudo o que faz
Bolsonaro.
As Forças Armadas já mostraram até onde podem ir. Em
primeiro lugar, ocuparam o governo. Isso era previsível, pois o espírito
salvacionista que vem desde a Proclamação da República não morreu: só os
militares conseguem dirigir este país caótico, pensam.
O mais grave é que as Forças Armadas, através de um general
da ativa, ocuparam o Ministério da Saúde, encamparam a errática política de
Bolsonaro e querem nos entupir de cloroquina. Ao aceitarem que caiam no seu
colo milhares de mortes, mostram que topam tudo por seu capitão.
Como assim, nossas Forças Armadas? Outras forças também
poderosas foram seduzidas por um simples cabo. A hora não é tanto de reflexões
sociológicas, mas de organizar a resistência.
Simplesmente não há tempo a perder. O tempo que perdemos
esperando o coronavírus chegar representou muitas mortes.
É hora de avisar a todos os brasileiros no exterior para que
reúnam e discutam a necessidade de falar com partidos, organizações, imprensa,
organizar núcleos de apoio na sociedade europeia e americana, entre outras.
As Forças Armadas não só encamparam a política da morte de
Bolsonaro. Elas tiraram de centro da cena o Ibama e outros organismos que fazem
cumprir nossa legislação ambiental, conquistada ao longo de anos de democracia.
O governo brasileiro vai se tornar uma grande ameaça
ambiental e biológica simultaneamente. Lutar contra ele em todos os cantos do
planeta é uma luta pela vida, pela própria sobrevivência. Esse será nosso
argumento.
Internamente, será preciso uma frente pela democracia. Já
temos uma frente informal pela vida, expressa no trabalho de milhares de
médicos e profissionais de saúde, nos grupos de solidariedade que se formaram
ao longo do Brasil.
O que a frente pela democracia tem a aprender com eles? Em
primeiro lugar, ninguém perde tempo culpando o outro pela chegada do
coronavírus. Em segundo lugar, a gravidade da morte onipresente não dá espaço
para confronto de egos.
Uma frente pela democracia não é uma luta pelo poder, mas
sim pelas regras do jogo. Quem estiver interessado no poder que espere as
eleições. Foi assim no movimento pelas Diretas.
Hoje uma frente pela democracia transcende as possibilidades
do movimento pelas Diretas. As redes sociais colocam na arena milhares de novos
atores, alguns deles capazes de falar com mais gente do que todos os partidos
juntos. O espaço para criatividade se ampliou. O papel de cada indivíduo é
muito mais importante do que foi no passado.
Não tenho condições num artigo de falar de todas essas
possibilidades. Mesmo porque eles não se limitam à cabeça de uma pessoa. A
única coisa que posso dizer produtivamente agora é isto: não percam tempo. É
urgente falar com amigos, estabelecer contatos, discutir como atuar adiante,
como resistir ao golpe de Estado. Posso estar enganado, mas jamais me
perdoaria, com a experiência que tenho, se deixasse de alertar a tempo e também
não me preparasse para esta que talvez seja a última grande luta da minha vida.
Artigo publicado no jornal O Globo em 01/06/2020
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