quarta-feira, 3 de junho de 2020

QUANDO O CHEFE É A CRISE

Hélio Schwartsman, Folha de S.Paulo

Os mais novos talvez não acreditem, mas, nos EUA dos anos 90, democratas e republicanos eram indistinguíveis em suas crenças sobre o aquecimento global. Naqueles tempos, vacinas e cesarianas não provocavam discussões políticas, e autores respeitáveis podiam escrever sem passar vergonha que não faria muita diferença se os EUA tivessem um presidente democrata ou republicano, desde que Alan Greenspan permanecesse no comando do Fed, o banco central daquele país.

Obviamente, não dá para dizer que nos anos 90 não existia ideologia. Ela estava lá, mas havia uma espécie de etiqueta comportamental observada por todas as pessoas educadas e, principalmente, pelas lideranças políticas.

Era inconcebível, por exemplo, que, num momento de grave crise, o presidente americano, fosse ele democrata ou republicano, não apelasse a um discurso de união nacional e recebesse apoio ao menos parcial da oposição e do público.

Hoje, o presidente americano é a crise. Donald Trump não é o responsável pelo assassinato de George Floyd, mas suas reações ao pavoroso episódio não só não contribuíram para pacificar a nação como ajudam a incendiar os protestos.

É difícil dizer até que ponto ele age assim por método ou por maldade. Trump pertence à escola de políticos populistas que busca sempre criar conflitos que explorem as divisões ideológicas para energizar sua base. Mas seguir esse roteiro não implicaria escolher sempre a posição mais imoral. Isso ele parece fazer por gosto mesmo.

O ponto central é que, ao longo das últimas décadas, houve uma brutal polarização na paisagem política dos EUA, que se manifesta em múltiplas facetas. Curiosamente, nos modorrentos anos 90, muitos cientistas políticos e jornalistas se queixavam da pouca diferenciação ideológica entre os dois principais partidos e cobravam mais polarização. Dizem que os deuses punem os mortais atendendo a seus desejos.

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