Com o ex-ministro da Justiça Sergio Moro na planície,
amargando o que talvez tenha sido seu grande erro — deixar a carreira de juiz
para ser ministro do governo Bolsonaro —, e a força-tarefa de Curitiba sob
pressão administrativa por parte do procurador-geral da República, Augusto
Aras, que pretende unificar todas as forças-tarefa numa coordenação sob sua
supervisão, a Operação Lava-Jato parecia perto do fim. Entretanto, na
sexta-feira, mostrou que está vivíssima e continua sendo uma variável a ser
considerada do processo político brasileiro. A bola da vez foi o senador José
Serra (PSDB-SP), acusado de receber propina para garantir contratos da
construtora Odebrecht com órgãos públicos em São Paulo.
A Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em
endereços ligados ao parlamentar. Serra foi deputado federal, ministro da
Saúde, prefeito de São Paulo, de 2005 a 2006, e governador do estado entre 2007
e 2010. Segundo a Lava-Jato, teria se beneficiado com propina em duas vezes: o
primeiro repasse teria sido de R$ 4,5 milhões, e o segundo, de R$ 23,3 milhões.
De acordo com a PF, era identificado pelo codinome “Vizinho” nas planilhas de
pagamentos ilegais da empreiteira, porque morava perto de Pedro Novis, suposto
contato dele com a Odebrecht. “Vizinho” aparece em planilhas de repasses
ilegais relacionados às obras do Rodoanel de São Paulo, segundo a denúncia
oferecida à Justiça contra o parlamentar e a filha dele, Verônica Serra. Ao
todo, o senador teria recebido R$ 27,8 milhões ao longo dos anos.
A Justiça também autorizou o bloqueio de R$ 40 milhões de
uma conta na Suíça supostamente atribuída a Serra. O dinheiro seria proveniente
de contratos superfaturados da Dersa, uma empresa que opera rodovias para o
governo do estado de São Paulo. Os repasses eram depositados por meio da Circle
Technical Company, empresa offshore, no Corner Bank da Suíça. José Serra negou
ter cometido qualquer ilegalidade e disse que as ações da Polícia Federal
causam “estranheza e indignação”. Em nota, afirmou que houve “uma ação
completamente desarrazoada”. Sua defesa alega que a Lava-Jato “realizou busca e
apreensão com base em fatos antigos e prescritos e após denúncia já feita, o
que comprova falta de urgência e de lastro probatório da acusação.”
Bandeira
A denúncia atinge diretamente o PSDB, do qual Serra é um dos
fundadores e líderes mais importantes, tendo sido prefeito, por duas vezes,
candidato a presidente da República. Do ponto de vista jurídico, pode ser que
não dê em nada, pois o que ocorreu há mais de dez anos já prescreveu,
independentemente de comprovação. Politicamente, porém, mostrou o poder de fogo
da Lava-Jato, desta vez, via força-tarefa de São Paulo.
A queda de braço do procurador-geral Augusto Aras com os
procuradores do Paraná, de São Paulo e do Rio de Janeiro não tem um desfecho
definido. A enfrenta grande resistência dos procuradores. Mesmo que a extinção
das mesmas e a unificação do combate à corrupção numa coordenação centralizada
em Brasília venha ocorrer, a Lava-Jato permanecerá como um fantasma assombrando
os políticos, porque a bandeira da ética continua sendo um divisor de águas na
política nacional. Graças a ela, mas não somente, Jair Bolsonaro se elegeu
presidente da República; mesmo saindo de suas mãos, a Lava-Jato continuará pairando
como espada de Dâmocles sobre a cabeça dos políticos enrolados com caixa dois
eleitoral e outros ilícitos, tendo Sergio Moro como símbolo. Desconstruir a
imagem do ex-juiz, como parece ser a intenção de Aras, não será uma tarefa
fácil.
O saldo da Lava-Jato é o maior expurgo já promovido na política brasileira num ambiente democrático, desde a Proclamação da República. Houve outros dois grandes expurgos, um na ditadura Vargas e outro no regime militar, mas não com base no chamado “devido processo legal”. Nas eleições passadas, o papel da Lava-Jato foi alimentar a narrativa antissistema e impulsionar o tsunami que levou Bolsonaro ao poder. Nas eleições desse ano, que ocorrerá na rebordosa da pandemia de coronavírus e em meio à recessão econômica, com certeza, manterá sua força de inércia, graças à legislação criada sob sua influência, alijando das eleições os políticos com a “ficha suja” (condenados em segunda instância), por antecipação, e queimando o filme dos suspeitos de corrupção.
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