Tempos confusos os que temos vivido. A tal ponto que
estranhamos o que aconteceu no meio da semana: chamou a atenção o fato de o
governo não haver arranjado nenhuma confusão nova. Isso depois de, sem se dar
ao luxo de explicar melhor ao País as razões, o presidente haver dispensado
vários ministros nas pastas da Educação e da Saúde. Pelo menos até a última
sexta-feira, quando escrevo este artigo, não demitiu ninguém ou ninguém se
sentiu na obrigação de abandonar o Ministério. Nem mesmo se viu o presidente ou
seus porta-vozes atribuírem à oposição ou a alguém mais notório o estar
“conspirando”. Daí a calmaria.
É assim que vai andando o atual governo, meio de lado. Sem
que os “inimigos” façam qualquer coisa de muito espetacular contra ele, é ele
próprio que se embaraça com sua sombra. De repente, quando não há nenhum
embaraço novo, nenhuma “crise”, o presidente não se contém: fala e cria uma
confusão.
É verdade que o governo federal não teve sorte. Não foi ele
que criou a pandemia que nos aflige nem a paralisação da economia, que já vinha
de antes. Mas a confusão política, desta ele se pode apropriar: foi coisa
inventada pelo próprio presidente e seus fanáticos.
Por certo ela se agrava com a crise econômica e a da saúde
pública. Mas o mau gerenciamento das crises e da política é o que caracteriza
os vaivéns do governo Bolsonaro. No Congresso Nacional e nos tribunais (apesar
de tão malfalados nos comícios pelos adeptos presidenciais) tem havido
resistências à inação governamental e a suas investidas contra as instituições.
Comecemos pelo que mais importa, a saúde pública e a de cada
um de nós. O governo federal desconsiderou os riscos da situação epidêmica no
início e, depois, passou o bastão às autoridades locais. Compreende-se que
sejam estas, mais perto das populações, a gerenciar o dia a dia. Mas o papel
simbólico é sempre, para o bem e para o mal, de quem exerce a Presidência da
República, tenha ou não culpa no cartório. Além disso é o que prescreve a
Constituição, no seu artigo 23, sobre as competências comuns, entre as quais
está a de zelar pela saúde pública, como deixou claro o Supremo Tribunal
Federal (STF) em sua decisão a esse respeito.
Da mesma maneira é inacreditável que em tão pouco tempo o
governo haja substituído dois ministros na pasta da Educação e que o País ainda
não saiba quem será o próximo ministro. Os anteriores o pouco que fizeram foi
suficiente para darmos graças por se terem afastado. Mas quem virá? E logo numa
área crucial para o País.
Governo que não tem rumo nas principais áreas sociais dificilmente
encontrará a lanterna mágica para nos levar a bom porto. Não são apenas pessoas
mal escolhidas. É a falta de projetos, de esperança, o que nos sufoca.
Talvez esteja aí a falta maior do presidente: ele fala como
qualquer pessoa, o que pode parecer simpático. É um [ ]uomo qualunque[/ ]. Diz
o que lhe vem à cabeça, como qualquer mortal. Mas esse é o engano: o papel
atribuído pelas pessoas ao presidente, qualquer deles, exige que ele, ou ela,
mesmo sendo simples (para não dizer simplório), não pareça ser tão comum na
hora de decidir ou de falar ao povo sobre os destinos da Nação.
Em certos momentos muita gente no País pode até apreciar a
semelhança entre si e o chefe de Estado. A maioria mesmo: pois não foi ele quem
ganhou as eleições? Afinal o presidente, dirão, é uma pessoa como qualquer
outra. Mas quando há crises é quando mais se precisa que haja comando, rumo.
Talvez por isso os “homens comuns” no poder acabem por ser incomuns, singulares
na sua incapacidade de definir um rumo. Quando têm personalidade autoritária,
investem e esbravejam contra as instituições democráticas. No Brasil, elas têm
respondido bem ao desafio.
Onde iremos parar? Não tenho bola de cristal, mas é melhor
parar logo. Se pudesse eu lhe diria: presidente, não fale; ou melhor, pense nas
consequências de suas falas, independentemente de suas intenções. Sei que é
difícil, afinal eu estava em seu lugar quando houve o “apagão” e também durante
algumas crises cambiais. Não adianta espernear: vão dizer que a “culpa” é sua,
seja ou não. E, no fundo, é sua mesma. Não se trata de culpa individual, mas
política. Quem forma o governo (sob circunstâncias, é claro) é o presidente. A
boca também é dele. Logo, queiramos ou não, sempre haverá quem pense que o
presidente é responsável. Vox populi, dir-se-á…
É assim em nosso sistema presidencialista. E talvez seja
assim nas sociedades contemporâneas. Com a internet as pessoas formam redes,
tribos, e saltam as instituições. Por isso é mais necessário do que nunca que
haja lideranças. Em nossa cultura e em nosso regime, já de si personalistas,
com mais forte razão os líderes exercem um papel simbólico, falam pela
comunidade. O líder maior é sempre o presidente, pelo menos enquanto continuar
lá. Por isso é tão importante: se não souber falar, se tiver dúvidas, que o
presidente se cale. Como nesta última semana.
Melhor, contudo, é que se emende e fale coisas sensatas, que
cheguem ao coração e façam sentido na cabeça das pessoas razoáveis.
*Sociólogo, foi presidente da República
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