Miguel de Almeida – Escritor e diretor dos documentários
'Não Estávamos Ali para Fazer Amigos' e 'Tunga, o Esquecimento das Paixões', é
autor de 'Primavera nos Dentes' (ed. Três Estrelas)
Quase no final do documentário
“Libelu - Abaixo a Ditadura”, meu amigo Eugênio
Bucci perpetra: “A nossa é uma geração derrotada”. Aquilo choca. O
filme narra a saga da tendência estudantil trotskista no final da década de
1970 e seu posicionamento para derrubar o regime militar.
Como Brasil é Brasil, à luz do neoautoritário Leon Trótski se
formou um movimento
político alegre, iconoclasta e (nas escusas da noite) libertário. Digamos
que a minha Libelu se espelhava mais na vida amorosa (ah, Frida Khalo…) e
literária do líder russo (seu manifesto com o também autoritário André Breton)
do que em seus atos e pregação revolucionária (no poder, com certeza, seria tão
duro quanto Stálin —o
novo herói de Caetano
Veloso. Nas minhas contas, anteriormente, em seu panteão, já estiveram
também Collor de Melo e Olavo de Carvalho).
O diagnóstico de Bucci é chocante por reconhecer
humildemente a incapacidade de nossa geração em provocar o salto sobre o
espírito brasileiro “do deitado em berço esplêndido”. Criou-se apenas um
mercado consumidor, e não um produtor de invenções e conhecimento. Basta ver
que os quase octogenários Chico e Caetano ainda permanecem como símbolos de
modernidade (nada contra suas belas canções) e se mantêm à balbúrdia laudatória
de uma economia extrativista.
E imaginar que a Coreia do Sul, em período semelhante, criou
riqueza e conhecimento com a LG ou a Samsung —enquanto o Brasil da soja
perpetrou as multinacionais Friboi (um açougue!) e a Universal do Reino de
Deus… A Argentina, que os bozoides odeiam, ofereceu o Mercado Livre, um Oscar
e… o papa.
O olhar estético da Libelu, na década de 1970, era
internacionalista —ia do surrealismo a Elias Canetti, do rock aos malditos
Jorge Mautner e Jards Macalé. Passadas algumas quadras, a cultura e a política
laica estão na defensiva frente a um ataque especulativo das religiões
neopentecostais em conluio com um governo em confronto com os avanços
civilizatórios.
Sem qualquer pudor, fala-se em aparelhar a Justiça em nome
de um deu$ evangélico. Nem as ditaduras de Vargas ou dos militares de 1964
abriram mão do conhecimento jurídico em nome da religião de ocasião. Basta
comparar um João Leitão de Abreu (assessorado pelo brilho de José Guilherme
Merquior) com o evangélico André Mendonça (inspirado na sabedoria de Silas
Malafaia). É chocante.
A opção estratégica por uma multinacional da picanha reflete
o tamanho do retrocesso educacional e do acanhamento frente aos sonhos de
ousadia mirados naqueles anos 1970. Falava-se, mesmo tolamente patriótico, em
um país do futuro. Com criação de conhecimento e tecnologia. Quem diria, no
final do túnel, a luz que se via era de uma… cruz (do swing
de Flordelis,
do aprisionado Pastor Everaldo).
O crescimento econômico medíocre do Brasil democrático
(vitimado pelas amarras nacionalistas alinhadas pelos militares positivistas,
que é um ideário capaz de juntar direita e esquerda), frente a uma explosão
demográfica (em 1970, éramos 90 milhões em ação; hoje, mais de 200 milhões),
conduziu o idílico país do futuro a um gueto usurpado por corporações de
servidores públicos e militares e a um exército não remunerado de 40 milhões de
invisíveis.
Concluir que depois de tanta luta para escantear um
general-intelectual como Golbery (secundado pelo ótimo major e tradutor Heitor
de Aquino) daria no gigante Augusto Heleno… Onde erramos?
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