Crescem com alarmante velocidade os indícios de infiltração
da criminalidade na política. Conforme monitoramento do Estado, a
média de mortes por motivações políticas nos dez processos de eleições
municipais desde a redemocratização é de 52. Neste ano, 76 brasileiros já foram
assassinados por motivações políticas.
Em parte, a violência reflete a escalada da polarização
ideológica. Em outubro, um estudante de 19 anos foi esfaqueado até a morte após
uma carreata no Piauí. A polícia suspeita que o assassinato tenha ocorrido após
uma discussão política do estudante com um tio. Um outro rapaz foi metralhado
num bar próximo a um comício no Tocantins e um agricultor foi morto por um
segurança da prefeitura de Olho D’água, em Alagoas.
Mas a principal causa é a infiltração do crime organizado na
máquina pública. A Polícia Federal alerta que o uso de dinheiro do crime para
financiamento de candidaturas cresce em todo o País. Segundo o delegado Elvis
Secco, da Coordenadoria-Geral de Repressão a Drogas e Facções Criminosas, a
entrada de organizações criminosas na política é uma forma de ganhar dinheiro
com fraudes em contratos públicos. Uma investigação da Polícia Civil de São
Paulo, por exemplo, estima que o Primeiro Comando da Capital (PCC) tenha
recebido, por meio de OS’s de fachada, R$ 77 milhões da prefeitura de Arujá, em
contratos de setores como coleta de lixo e serviços de saúde.
Mais grave é a atuação das milícias, precisamente por
trafegarem na zona cinzenta entre a legalidade e a ilegalidade. Em 2008, o
então deputado federal Jair Bolsonaro elogiou as milícias: “Querem atacar o
miliciano, que passou a ser o símbolo da maldade e pior do que os traficantes”,
disse Bolsonaro. “Como ele ganha R$ 850 por mês, que é quanto ganha um soldado
da PM ou do (sic) bombeiro, e tem a sua própria arma, ele organiza a
segurança na sua comunidade.” Mas as evidências mostram que o mercado de
proteção é só a alavanca para a expansão dos negócios das milícias, que hoje
vão da agiotagem, passando pela oferta de serviços clandestinos (gás,
eletricidade, internet) e grilagem, até o tráfico de drogas e armas.
O Rio de Janeiro é de longe o Estado com mais assassinatos
políticos no País: foram 26 mortes – quase 35% do total – em 2020. É um reflexo
da disputa territorial entre o narcotráfico e as milícias. Um levantamento
coordenado pela USP e UFF aponta que menos de 2% do território da cidade do Rio
de Janeiro está livre do controle dos criminosos: 55,7% são dominados pelas
milícias; 15,4%, pelo narcotráfico; e 25,2% estão sob disputa.
“Como quem controla o território controla o voto, as
milícias e o crime organizado passaram a colocar nos Parlamentos municipal e
estadual seus representantes, formando as suas bancadas. Estas, por sua vez,
passaram a indicar representantes seus ou aliados para cargos no Executivo na
área de segurança pública, numa verdadeira metástase”, disse em artigo no Estado o
ex-ministro da Segurança Pública Raul Jungmann. “Paulatinamente, outras partes
do Estado são capturadas – forças de segurança, órgãos de controle, Judiciário,
Ministério Público – e forma-se uma associação criminosa baseada na mútua
proteção e no rateio dos ganhos do crime.”
A escalada da violência política é sinal de que o crime
organizado já não é apenas uma ameaça à segurança pública, mas ao próprio
Estado Democrático de Direito. Polícias como a do Rio ou São Paulo
implementaram forças-tarefa para impedir que candidatos e eleitores sejam
intimidados por criminosos. Mas medidas reativas não são suficientes. As forças
de segurança precisam organizar núcleos específicos que investiguem
permanentemente a relação promíscua entre a política e o crime, e o cerco
precisa se fechar já. Como mostra o monitoramento do Estado,
tipicamente uma segunda onda de violência ocorre no ano posterior às eleições,
quando os criminosos começam a cobrar os favores prestados aos candidatos.
Assim, sem uma repressão robusta, à alta de mortes políticas neste ano deve se
seguir mais um morticínio no ano que vem.
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