Saindo de São Paulo, leva-se menos tempo para chegar em
Tel-Aviv do que a Ipixuna – a cidade brasileira com o pior nível de
desenvolvimento no índice Firjan. É localizada no Amazonas, mas o aeroporto de
médio porte mais próximo fica no Acre, de onde partem barcos para a longa
viagem para a cidade. A precariedade da infraestrutura no Norte do Brasil vai muito
além da rede elétrica do Amapá, às escuras depois de um incêndio que chamou a
atenção do resto do País nos últimos dias.
Na Região Norte, 1 milhão de brasileiros não correm risco de
apagão: eles já não têm acesso a energia elétrica, segundo o Instituto de
Energia e Meio Ambiente (Iema). Outros milhões estão em um sistema ainda
vulnerável, como mostra o caso do Amapá, cuja solução definitiva levará dias e
depende da chegada de balsas.
O País ainda tem um Estado inteiro – Roraima – desconectado
do sistema elétrico nacional. A ligação é historicamente polêmica, pelas
questões ambientais e indígenas envolvidas. Elas também aparecem na polêmica da
pavimentação da BR-319, ligação de uma das maiores cidades brasileiras – Manaus
– com o restante do País.
No Norte do Brasil, 40% dos cidadãos vivem abaixo da linha
da pobreza – número quase igual à taxa do Nordeste. Mas a pobreza amazônica não
ocupa ainda muito espaço no imaginário do Centro-Sul como a pobreza nordestina.
É preciso admitir uma verdade inconveniente: esse baixo PIB per capita é um
complicador para a preservação da floresta. A influente revista Science
publicou este ano um artigo sobre as obras da BR-319: o título é “Estrada para
o desmatamento”. Mas estamos falando de uma conexão terrestre com a 7.ª maior
cidade do Brasil, ou a nossa Filadélfia.
E se a detestável política ambiental que temos tiver o apoio
da população local? Nas eleições de 2018, somente quatro Estados entregaram
votação para algum candidato acima de 70% (todos para Bolsonaro). À exceção de
Santa Catarina, eles estão na Amazônia: Roraima, Rondônia e o Acre – este com a
maior votação. Bolsonaro teve 77% no Estado de Marina Silva e Chico Mendes. Se
tivéssemos um colégio eleitoral como o americano, esses não seriam battleground
states.
Como convencer tantos brasileiros que devem ter aspirações
menores e conviver com infraestrutura de país subdesenvolvido? A floresta de pé
se justifica claramente pelos seus ganhos econômicos, seja por limitar a
mudança climática que ameaça a atividade econômica de diversas regiões do
planeta, seja pela biodiversidade da selva – que guarda informação valiosas
geradas por milhões de anos de evolução. Mas quase todos esses potenciais
benefícios, futuros e difusos, não são auferidos hoje pelos habitantes locais.
É momento de discutir pagamentos à população nortista como
compensação pelos serviços ambientais? Se aceitamos que a região não pode se
urbanizar como o resto do País, devem receber recursos federais para que as
famílias não sejam tão vulneráveis à pobreza? O PIB da área é tão incipiente
que, apesar da crise severa deste ano, a arrecadação em quase todos os Estados
da região cresceu – por conta dos efeitos no consumo do pagamento do auxílio
temporário aos mais pobres.
Afinal, a ideia simpática de que a Região Norte pode se
desenvolver normalmente apenas com empreendimentos verdes esbarra em uma
dificuldade: ali moram 18 milhões de pessoas. É mais que a Pensilvânia e a
Geórgia somadas.
A ciência pode orientar a política pública nas escolhas para
desenvolvimento da região. Publicado na Nature Sustaintability em 2018, um
estudo literalmente mapeia tanto as áreas da floresta de maior biodiversidade
quanto aquelas em que sua conservação pode resultar em mais produtos (madeira,
borracha, castanha) e serviços (como chuvas para hidrelétricas e agropecuária)
– onde a necessidade de preservação é portanto mais inquestionável. O trabalho
é assinado por pesquisadores brasileiros apoiados pelo Banco Mundial e pela
Noruega (Strand et al.).
Enquanto os votos nos Estados Unidos indicavam a eleição de
Joe Biden, o que pressionará para uma mudança dramática na nossa política
ambiental, centenas de milhares de brasileiros não acompanhavam o resultado
porque não havia como fazer chegar energia elétrica ao Amapá. A Amazônia preservada
é fundamental para a economia do País e do planeta, mas ganhos precisam ser
compartilhados com a população local – e não há clareza sobre solução
inteligente e efetiva para fazer isso.
A agenda de conservação precisa do apoio de habitantes que
ainda vivem com carências que não existem no resto do Brasil. Os eventos da
última semana são alegóricos de uma tensão que deve existir nos próximos anos
na definição sobre o nosso norte.
*Doutor em economia
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