“A única diferença entre mim e um louco”, disse num de seus
melhores momentos o pintor Salvador Dali, “é que eu não sou louco”.
Detalhes assim fazem toda a diferença, não é mesmo? Ainda bem, porque essas
espantosas eleições norte-americanas em que todo mundo
vota, até por telepatia, mas o resultado não sai nunca, nos levam de volta ao
mundo surrealista de Dali. Os Estados Unidos, com toda certeza, não estão
loucos, pois nenhum país com o seu currículo de realizações fica louco de um
governo para outro. Mas estão fazendo o máximo possível para parecer que são.
Imaginem se isso tivesse acontecendo no Brasil – o que as
classes intelectuais, a imprensa e as celebridades americanas, além do
Facebook, que em matéria de democracia se consideram no mesmo nível de
perfeição da Santíssima Trindade, iriam falar de nós? O Brasil, como eles dizem
a cada cinco minutos, põe fogo sem parar na floresta amazônica, comete
genocídio contra os índios, persegue minorias e está acabando com as baleias –
sem falar no derretimento da calota polar e no governo fascista etc. Se, além de
todos esses delitos, ainda houvesse por aqui uma eleição presidencial como essa
que andam fazendo por lá, iriam rebaixar o Brasil da condição de país
irrecuperável para alguma categoria logo abaixo, onde a única solução é socar
uma bomba de hidrogênio em cima.
Qualquer sistema de apuração de eleições, naturalmente, está
sujeito à fraude, por mais moderno que seja – embora, curiosamente, a gente
nunca ouça falar em confusão na Inglaterra, no Japão ou na Nova Zelândia.
Alguém sabe de fraude eleitoral na Alemanha, ou no Canadá? Mas deixe-se essa
discussão para outra hora; o que importa, no caso atual, é a alarmante situação
pela qual as eleições nos Estados Unidos – o país número 1 do mundo, com seu
PIB de 20 trilhões de dólares e tantos outros etceteras – estão sendo
abertamente comparadas com as de uma republiqueta de bananas da América Central
ou de algum fim de mundo da África.
Queriam o quê? O presidente dos Estados Unidos da América,
ninguém menos que ele, Donald
Trump em pessoa, diz que “as eleições estão sendo roubadas”.
Centenas de advogados, dos dois lados, entram com ações judiciais, uns contra
os outros – o governo dizendo que a oposição fraudou os resultados, a oposição
dizendo que o governo perdeu e quer virar a mesa. A apuração levou mais de
quatro dias até que se soubesse quem ganhou – prodígio que não seria aceito nem
no Congo Belga. A eleição é uma obra em aberto, na qual se pode votar antes do
dia da eleição, no dia seguinte, depois de encerrado o horário de votação, pelo
correio, por e-mail. A apuração dos votos é feita no ritmo, no sistema, com as
leis e pelos funcionários de cada um dos 50 Estados americanos.
Trump diz que os votos “não-presenciais” – pois é, até em
eleição existe agora esse negócio – que vão chegando pouco a pouco e cuja
contagem não tem hora para acabar, vão todos para o inimigo Joseph
Biden. Os inimigos do presidente dizem que ele quer dar um golpe de
Estado. Em suma: deu ruim, como se diz. Talvez a ex-presidente Dilma Rousseff,
de quem tanto se ri por causa de seus surtos de esquisitice, não estivesse
sendo assim tão exótica quando disse que ninguém ganhou e ninguém perdeu a eleição,
pois quem ganhou não perdeu e quem perdeu não ganhou, de modo que todo mundo
perdeu e ganhou.
Parece o Brasil dos anos 50, ou de antes, quando se votava a
mão, com caneta Bic, e a apuração só começava ao meio-dia do dia seguinte, para
se acertarem as coisas durante a noite – inclusive com o roubo físico das
urnas. Um dia eles ainda chegam lá.
*JORNALISTA
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