O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros,
sempre se revelou extraordinário administrador, tanto que conduziu com
perfeição o Ministério da Saúde no meu governo. É também um líder político que
sempre faz propostas muito adequadas.
Nestes últimos dias, propôs a hipótese de nova Constituinte.
Instado, pronuncio-me sobre o tema.
Primeiro é preciso saber exata e precisamente o que é uma
Constituinte. Direi trivialidades que, na verdade, devem ser sempre repetidas.
A Constituinte é a face visível de um Estado que será.
Diferentemente, a Constituição é a face visível do que o Estado é.
Indispensável a pergunta: quando se justifica uma Constituinte? Quando há uma
ruptura do sistema jurídico constitucional.
Será que neste momento temos uma ruptura desse sistema ou
podemos seguir adiante com a Constituição que teve a sabedoria de amalgamar os
chamados direitos liberais com os direitos sociais? Veja-se, só para
exemplificar, que o direito à livre-iniciativa, o prestigiamento da
propriedade, os direitos individuais em capítulo que é o maior que se conhece
no mundo, com 78 incisos no seu artigo 5.º, de maneira exemplificativa, já que
o parágrafo 1.º do mesmo artigo estabelece que a enumeração dos direitos ali
listados não exclui a invocação de outros derivados dos princípios
constitucionais e dos tratados de direitos aprovados pelo Brasil. Portanto, os
direitos liberais aí estão.
Por sua vez, há um capítulo com direitos sociais que trouxe
para o texto constitucional, por exemplo, o direito dos trabalhadores.
O que antes se verificava apenas na legislação
infraconstitucional o constituinte de 1988 trouxe para a Lei Magna. De fora
parte direitos como aqueles em que a Constituição estabelece o direito à
educação e à saúde como dever do Estado. Quando a Constituição garante o
direito à alimentação, o direito à moradia, o que visa é a alimentar as pessoas
e dar teto àqueles que têm dificuldades para obtê-lo.
Com isso quero ressaltar que a sabedoria do constituinte de
1988 tem sido produtiva, pois quando surgem problemas tais dizeres do texto
constitucional resolvem essas questões ensejadoras de alguma dificuldade.
Por outro lado, saliento que o proponente da Constituinte
pode ter razão relativamente a certos aspectos da Constituição federal.
Mas ela própria, Constituição, estabelece meios e modos para
a sua modificação.
Mais uma obviedade: por meio da emenda à Constituição
federal, ressalvadas as hipóteses previstas no artigo 60, parágrafo 4.º, da
Carta Magna, ou seja, a intocabilidade da Federação, da separação de Poderes,
dos direitos individuais e do voto direto secreto e universal com valor igual
para todos. Tudo o mais pode ser objeto de emenda à Constituição, ou seja, de
uma espécie de plástica que se faça naquela face visível que nós rotulamos como
Estado.
Pode-se fazer plásticas na fisionomia do Estado por meio de emendas
à Constituição federal. Só num caso extremo em que, digamos assim, o rosto
inteiro estivesse desfigurado em razão de um acidente gravíssimo é que se
poderia falar na recomposição completa daquela face. Assim também só a
desestruturação total é que permitiria uma plástica jurídica completa a
justificar novo Estado. Fora daí não há como cogitar-se de uma Constituinte.
Portanto, sem embargo de concordarmos com algumas preocupações do deputado
Ricardo Barros, o fato é que quando se pensa numa Constituinte, para dizer o
óbvio, nunca se sabe o que vai acontecer ali adiante. Se há uma pequena
desestruturação ensejadora de algumas modificações no texto constitucional, não
é possível levar ao extremo modificando por inteiro a face do Estado. Algumas
que o proponente indica podem ser objeto de emenda à Constituição.
Aliás, o que dá a chamada segurança jurídica é precisamente
o rigoroso cumprimento da Constituição da República. O que não se pode é
negar-lhe a aplicação. Aí, sim, é que há problemas para a governabilidade e,
naturalmente, para a tranquilidade institucional do Estado brasileiro.
Não se pode, a esta altura, invocar o que está acontecendo
no Chile. Lá, sabemos todos, a Constituição vigente ainda vem dos tempos da
ditadura do presidente Pinochet. É muito diferente a situação do Brasil.
Nós saímos de um sistema concentrador e centralizador para
uma Carta Constitucional democrática. Portanto, não estamos modificando regras
de um eventual sistema centralizador e autoritário. Mas estaríamos modificando
regras de um sistema que, no dizer do artigo 1.º da nossa Lei Maior, é o de um
Estado Democrático de Direito, em que a ênfase da democracia vem ressaltada em
vários pontos desse mesmo texto constitucional.
Assim, se necessária alguma plástica na Constituição federal,
que se a faça por meio de emenda, já que não temos nenhuma desestruturação
justificadora de uma nova Constituinte.
*
ADVOGADO, PROFESSOR DE
DIREITO CONSTITUCIONAL, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA
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