O mestre Bob Dylan compôs e cantou a canção sobre como o
vento soprava as respostas. É um belo hino sobre opções na vida. O vento se
move em várias direções. Na aviação, por exemplo, começou a ser medido por um
tal de biruta — um cone de pano — para indicar o rumo do vento nas decolagens e
aterrisagens de voos.
A biruta também é uma das referências para o salto de
paraquedistas. Como outras estrelas de seu governo, Jair Bolsonaro também
cursou paraquedismo na Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende, no Rio
de Janeiro. Alguns alunos descrevem como meta “sentir o cheiro do vento”,
outros mais mais ambiciosos acreditam “ficar mais perto de Deus”. Bolsonaro não
se destacou ali. Diferente do general Fernando Azevedo, ministro da Defesa,
aluno tido como brilhante, inclusive em suas avaliações posteriores. “Quem pula
é sapo, paraquedista salta”, costuma dizer. Seu atual chefe não aprendeu essa
lição.
Bolsonaro se comportou nos últimos dias como um sapo fora de
si. Na manhã da quarta-feira (28) achou que tivesse fazendo um gol com um
decreto mal redigido que abria os postos de saúde públicos para a iniciativa
privada. Uma decisão que caiu de paraquedas no Sistema Único de Saúde, o bem
sucedido modelo brasileiro de sucesso mundial. Soou como inacreditável mexer em
uma das pontas do SUS sem ouvir ninguém para impor mais uma sacada de
tecnocratas para dividir a conta. Deu ruim. A revolta generalizada,
inclusive na base política do governo, fez com que Bolsonaro revogasse o tal
decreto no mesmo dia.
Mas, nessa quinta-feira (29), depois de visitar o Maranhão e
tomar uns goles do guaraná Jesus (um refrigerante famoso no estado que parece
ter mexido apenas com a sua libido), Bolsonaro voltou a Brasília disposto a
chutar o pau da própria barraca. Em sua live semanal no facebook, ele anunciou
que deve reeditar aquele mesmo decreto polêmico que editou e horas depois
revogou semana que vem. Até lá pode ser que outra vez mude de opinião. Depende
do que entender ser as vozes de sua base em seu mundinho nas redes sociais. Por
mais biruta que pareça, é assim que a banda toca.
A biruta de Bolsonaro faz girar na mesma velocidade seus
principais ministros que protagonizam brigas colegiais em praça pública. Além
de apelidos e xingamentos infantis, eles parecem ter perdido a noção do que
seja um cargo público. Virou uma disputa sobre quem agrada mais um mestre fora
do prumo. Enquanto o maestro dessa balbúrdia parece se divertir com essas
manifestações de vassalagens, seus ministros puxa-sacos se estapeiam em
público.
O ridículo desse circo de mau gosto é o de menos. O problema
é quando ameaçam as vidas das pessoas por eventualmente controlarem o dinheiro
público. O ministro Paulo Guedes não sabe mais como agradar o chefe. Atira para
todos os lados, acerta com frequência o próprio pé, e não sai do lugar. Quem
conhece uma vírgula do riscado sabe que ministro da Economia ou da Fazenda
precisa se preservar e ser preservado. Não é comum que façam strip-tease
em público.
Foi o que fez Paulo Guedes na reunião nessa quinta-feira com
a comissão parlamentar que acompanha as ações do governo no combate à pandemia
do novo coronavírus. Aderiu ao mesmo discurso maluco de
Bolsonaro de que pode dispor do dinheiro dos contribuintes para discriminar
vacinas contra a Covid-19 necessárias para salvar vidas de brasileiros país
afora. Se por picuinhas políticas, Bolsonaro e Guedes insistirem no boicote à
vacina produziada em São Paulo, mesmo que aprovada pela Anvisa, pelo fato do
estado ser governado pelo adversário João Doria, não é apenas insensatez, é
crime.
Tudo indica que é apenas mais um blefe nesse joguinho miúdo.
Porque se usarem o meu, o seu e o nosso dinheiro para nos impedirem a ter
acesso a uma vacina que possa salvar nossas vidas não merecem apenas
censura. É razão mais que plausível para impeachment. Eles sabem disso.
Fingem que não, mas não vão correr o risco.
A questão é que tentam enrolar a todos porque querem propor
soluções, como o novo imposto sobre transações eletrônicas, só depois das
eleições. Por mais espertos que sejam seus conselheiros políticos, é um jogo
arriscado. Os mais vividos se lembram que adiaram as reformas no Plano Cruzado
para depois das eleições em 1986, em que o então PMDB teve a maior vitória da
história. As correções depois das urnas detonaram o governo José Sarney, que
bancou aquele jogo.
Nesse país com tanta impunidade, às vezes a malandragem é
punida. A esperteza de guardar um remédio tido como amargo para depois das
eleições, que tanta confusão causa em um governo em ebulição, pode custar caro.
A conferir.
PS: numa tradução livre, a letra da clássica canção Blowing
in the wind, obra-prima de Bob Dylan:
Quantas estradas um homem precisará andar antes que
possam chamar ele de homem?Quantos mares uma pomba branca precisará sobrevoar
antes que ela possa dormir na areia?
Sim, e quantas balas de canhão precisarão voar
Até serem para sempre banidas?
A resposta, meu amigo, está soprando ao vento
A resposta está soprando ao vento
Sim, e quantos anos uma montanha pode existir
Antes que ela seja dissolvida pelo mar?
Sim, e quantos anos as pessoas podem existir
Até que possam ser livres?
Sim, e quantas vezes um homem pode virar sua cabeça
Fingindo que ele não vê?
A resposta, meu amigo, está soprando ao vento
A resposta está soprando ao vento
Sim, e quantas vezes um homem precisará olhar para cima
Antes que ele possa ver o céu?
Sim, e quantas orelhas um homem precisará ter
Antes que ele possa ouvir as pessoas chorando?
Sim, e quantas mortes ele causará até saber
Que muitas pessoas morreram?
A resposta, meu amigo, está soprando ao vento
A resposta está soprando ao vento
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