A crer no que se sente e se lê nos jornais, pouco a pouco, a
situação econômica do país está piorando. Será? Não tenho certeza, mas assim
parece. Os sinais pipocam por todos os lados. Quase no final da semana passada
os índices da Bolsa, para usar o jargão, “desabaram”, e o dólar foi a quase R$
6.
No geral os críticos se queixam da morosidade das reformas
no Congresso — a administrativa e, principalmente, a tributária — e da falta de
compromissos do governo com a lei do “teto dos gastos”. Faltaria um claro compromisso
com a austeridade.
De tanto baterem na mesma tecla os críticos que assim
procedem, em geral jornalistas, empresários ou os que os seguem, parecem ser
pessimistas. Mas é certo: sem compromissos claros do Executivo com o frear
gastos e sem ação congressual mirando o futuro, a marcha da economia desanda. E
isso parece estar acontecendo: a queda do valor do real e dos índices das
Bolsas são indícios de que algo vai mal no reino da Dinamarca…
Além do mais, o Banco Central mantém os juros baixos. A taxa
Selic foi definida pelo Copom em 2% para o ano, enquanto as próprias previsões
“do mercado” (que nem sempre acerta…) para a inflação já passam de 3%.
É certo que em parte é graças aos juros baixos que muita
gente se dispõe a comprar casas e apartamentos ou a fazer reformas. Assim, o
mercado imobiliário e o de materiais de construção se mantêm ativos. E estes
não são os únicos setores que prosperam: basta olhar as exportações para ver
que os produtores agrícolas vão bem, obrigado.
Mas cuidado. Tal bonança provém, sobretudo, do mercado
chinês, que compra sem parar nossos produtos do campo. E, ainda assim, há quem
tema ver a pandemia nos levar a tratativas para importar e usar vacinas
chinesas…. Tomara que os chineses (e não só eles) continuem consumindo nossos
produtos e que produzam boas matérias-primas para as nossas vacinas.
Não escrevo isso para diminuir as preocupações com os sinais
negativos que a economia apresenta, mas para, ao matizá-los com perspectivas
menos sombrias, tentar entender o que ocorre.
Cabe repetir que estamos vivendo um mau momento: além dos
sinais não alvissareiros emitidos por alguns setores da economia, existe um
clima de pessimismo que deriva de preocupações com a saúde das pessoas. Desde a
epidemia da “gripe espanhola”, que assustou a geração de meus pais logo depois
da Primeira Grande Guerra, não se via uma crise sanitária de proporções tão
amplas como a criada pela periculosidade do coronavírus: ele parece ser mais
contagioso do que letal. Mesmo assim, barbas de molho: principalmente, mas sem
exclusividade, os velhos (como eu) que se cuidem. As moléstias de que algumas
pessoas são portadoras se agravam com o coronavírus e as pode levar à morte.
Além do mais, parece que o vírus pode deixar sequelas em quem sobrevive.
As notícias que nos chegam da Europa e dos Estados Unidos
sobre o crescimento da doença são alarmantes. Os próximos meses se afiguram
sombrios. Quanto mais inerte o governo, mais necessária é a responsabilidade de
cada um pelos gestos que nos protegem e protegem os outros. Ninguém pode fazer
isso em nosso lugar. Seguir a orientação dos médicos, conversar com as pessoas
em quem confiamos, manter a distância, usar as máscaras e lavar as mãos estão a
alcance de todos. Não menos imperativo será assegurar o acesso de toda a população
a vacinas seguras e eficientes, sem politizações mesquinhas. Se Trump perder a
eleição como apontam as pesquisas, o fator determinante terá sido sua gestão
desastrosa da pandemia.
Também do ponto de vista da economia, o que mais me preocupa
é a relativa omissão do governo. Juros muito baixos e descontrole fiscal podem
levar rapidamente à inflação. Só quem cuidou dela no passado sabe o quanto tal
“vírus” é danoso: arrasa tudo e liquida em pouco tempo o salário dos pobres,
mais do que a capacidade ou o “apetite” para investir, dos mais afortunados.
E é isso o que mais me preocupa. De intriga em intriga, o
governo parece ser displicente diante de sinais que não deixam dormir os mais
obcecados. Os responsáveis no governo pela economia não entendem o Congresso.
Este funciona no ritmo das eleições que se aproximam. E governar implica em
apontar caminhos que muitos se obstinam em não aceitar.
É difícil conciliar popularidade com sucesso econômico; a
conciliação dos dois fatores nem sempre está nas mãos de quem governa. Mas a
História cobrará dos governos o terem sido cúmplices se houver desvios de rumo.
É por isso que governar não é fácil e depende tanto da sorte quanto da
competência.
No fundo, vivemos e, pior, mansamente, o início de uma crise
política. Com o que se preocupa quem tem nas mãos as rédeas do poder? Ao que
parece, mais com o que lhe toca diretamente, como a reeleição, ou com os
familiares, do que com os sinais de alarme que já estão soando fortes… Deus
queira que as minhas sejam preocupações vãs.
*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da
República
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