Era possível engordar o Bolsa Família sem chutar o pau do teto de gastos? Com alguma mutreta, era. Seria uma gambiarra até tolerada por alguns porta-vozes dos donos do dinheiro grosso. Por exemplo, seria possível colocar parte da despesa com precatórios, uns R$ 50 bilhões, fora do teto de gastos, dando uma desculpa furada para manter as aparências. O governo foi muito além da imaginação.
Com a mutreta básica dos precatórios, seria possível bancar o gasto de uns R$ 82 bilhões com o "Auxílio Brasil", despesa quase R$ 47 bilhões maior do que a orçada para o Bolsa Família em 2022.
Mas então faltariam R$ 18 bilhões, por baixo, para corrigir o gasto extra imprevisto com Previdência etc., pois a inflação será maior que a estimada no projeto de lei do Orçamento de 2022. Faltariam ainda uns R$ 18 bilhões extras para bancar as emendas paroquiais que sustentam o poder dos líderes do centrão. Faltaria ainda dinheiro para o Bolsa Caminhoneiro que Bolsonaro prometeu. Etc.
Não haveria dinheiro para os cerca de 18 milhões de pessoas que vão deixar de receber o auxílio emergencial e não receberão Bolsa Família/Auxílio Brasil, note-se.
Era possível cortar gasto para acomodar a despesa do "Auxílio Brasil"? Algum troco, no mais quase tudo inviável, de imediato, social e politicamente. Antes dos gastos extraordinários e provisórios da epidemia, quase 90% da despesa federal ia para benefícios previdenciários e similares obrigatórios, salários para servidores, saúde, educação e ciência. Os gastos para manter o governo funcionando no mínimo e fazer um investimento (em obras) já estão asfixiados.
Sempre foi muito difícil cumprir o teto de gastos, que vinha sendo tocado a improvisos e com talhos daninhos. Com a epidemia, se tornou de vez inviável em termos econômicos, sociais e políticos. Sempre foi um plano que teve o problema básico de evitar aumento de imposto, exigência do partido liberal no poder desde 2015.
Era preciso alterar o teto, o que dependeria de um programa muito maior de mudanças: do Orçamento, de prioridade de gastos, aumento de imposto, alterações de regras etc. Para tanto, seria preciso haver governo, não uma desordem comandada por um imbecil perverso e por um economista tiozão do Zap dado a mentiras lunáticas. Mesmo se houvesse um governo e um plano críveis, tal mudança daria em algum tumulto econômico-financeiro.
Mas Bolsonaro-Guedes nada fizeram. Em agosto de 2020, o governo nem mais fingiu que se ocupava do assunto da miséria crescente, pois a popularidade bolsonariana estava em alta. No seu ócio destrutivo, ocupado com o golpe, Bolsonaro deixou a panela de pressão explodir sob o calor de fome, regras fiscais engessadas e a pior crise econômica da República.
A fim de evitar o impeachment, Bolsonaro entregou o governo ao centrão de Arthur Lira e Ciro Nogueira. Juntos, inventaram uma reforma casuística do teto, uma nova correção monetária, para poder gastar mais. O gasto era inevitável, a não ser que se largasse mais gente na miséria, mas nada de sério foi feito. Deu besteira.
Juros e dólar vão às alturas. O crescimento será menor, com risco de recessão, em 2022. As chamadas "regras fiscais" (leis para impedir aumento de déficit e dívida públicos) foram ainda mais desmoralizadas. Não sobrevivem nem se inscritas na Constituição (nenhuma sobrevive, na verdade, se não tiver fundamento econômico, social e político). Quem vai acreditar na próxima? E daí? Daí que isso vai custar caro por muitos anos.
Mais uma vez, parabéns para liberais e para empresários amigos de "reformas" (aquelas boas para o bolso).
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