quarta-feira, 10 de novembro de 2021

MÁQUINA EMPERRADA

Editorial Folha de S.Paulo

Ao jogar areia no mecanismo desenvolvido por Jair Bolsonaro e seus aliados no centrão para azeitar barganhas políticas com recursos públicos, o Supremo Tribunal Federal criou novas dificuldades para o governo no Congresso.

Em julgamento concluído nesta quarta-feira (10), a maioria dos integrantes da corte juntou-se à ministra Rosa Weber para suspender a execução das emendas orçamentárias controladas pelo centrão e cobrar a divulgação de informações sobre a aplicação das verbas.

Conhecidas como emendas de relator, elas se tornaram um pilar do esquema que dá sustentação ao Planalto no Legislativo ao separar fatia significativa do Orçamento para distribuição a aliados de acordo com critérios opacos.

Dos R$ 16,8 bilhões reservados por tais instrumentos na peça orçamentária deste ano, R$ 9,3 bilhões já foram comprometidos com projetos apadrinhados pelos parlamentares governistas. Os R$ 7,5 bilhões restantes foram congelados pelo Supremo.

O tribunal ainda não discutiu questões de fundo sobre a legalidade dessas emendas, mas concluiu que, da forma como têm sido utilizadas, elas violam princípios constitucionais que impõem publicidade e impessoalidade ao emprego das verbas públicas.

Deve-se sempre ver com cautela uma intervenção do Judiciário nos assuntos dos outros Poderes. Mesmo ministros que votaram contra o bloqueio dos recursos, entretanto, apoiaram as medidas que visam tirar das sombras os beneficiários das emendas parlamentares.

A decisão criará embaraço para os governistas porque a falta de transparência era chave para o controle do processo pelos líderes do centrão, que assim não precisavam respeitar critérios que asseguram isonomia na divisão de outras fatias do Orçamento reservadas para os parlamentares.

Quando a decisão do STF for cumprida e se tornarem conhecidos os beneficiários das emendas de relator, será possível conferir quem ganhou mais e o que fez com seu quinhão —e ficará difícil conter os conflitos que decerto emergirão na própria base governista.

A fragilidade da coalizão que sustenta Bolsonaro ficou evidente durante a votação da emenda que permite ao governo furar o teto de gastos e dar calote em dívidas reconhecidas pela Justiça, aprovada na terça (9) pela Câmara dos Deputados, aos trancos e barrancos. Desmanchado o arranjo das emendas, a instabilidade tende a aumentar.

Não foi à toa que o presidente e os líderes do centrão protestaram contra a intervenção do STF. Nos bastidores, fala-se em buscar meios de contornar a decisão. O espaço para manobras, contudo, se mostra cada dia mais estreito.

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