Na segunda semana deste mês de fevereiro, os ucranianos tiveram dificuldade de acessar inúmeros dos sistemas bancários do país. Estava começando, ali, o maior ataque de negação distribuída de serviço (DDoS) de sua História — não é pouco, a Ucrânia é um dos países com maior experiência em ataques cibernéticos no mundo. Esse tipo em particular é força bruta. Robôs fingem ser pessoas aos milhões tentando acessar sites, apps, o que for. O resultado é que, sobrecarregados, os servidores ficam lentos e caem. O que estamos vendo naquele país, desde a madrugada de quinta-feira, não é apenas a primeira guerra de conquista em solo europeu desde que Adolf Hitler invadiu a Polônia em 1939. É também a primeira guerra “figital”, física e digital, simultaneamente.
O objetivo de uma guerra digital é desestabilizar a infraestrutura de um país nos momentos anteriores à invasão com tanques. Ao longo de fevereiro, os ucranianos tiveram dificuldade de fazer transferências de dinheiro, sacar recursos, pagamentos atrasaram ou não chegaram a ser feitos. Já de cara, no momento em que os primeiros mísseis caíram sobre Kiev, a vida financeira do país não estava em dia. E não dará tempo para organizar.
Desde janeiro, circula nas empresas de eletricidade do país uma série de malwares do tipo wiper, espécie de vírus que apaga o conteúdo de discos. Empresas de segurança têm a informação de que, em grande parte, não houve danos relevantes. Mas a apreensão é imensa. Por duas vezes, uma em 2015, outra em 2016, ataques das unidades digitais do Exército russo deixaram centenas de milhares de ucranianos sem luz. O principal medo é que, enquanto se distraíam na defesa contra os vírus, os especialistas em segurança das companhias de luz não perceberam a atividade dos hackers russos em suas redes. Pode ser que estejam lá dentro, prontos para desligar as luzes quando convier.
Na indústria digital, a Ucrânia não é qualquer país. É a número um global em terceirização de serviços de TI. Todas as gigantes do Vale do Silício dependem do trabalho diário de quem vive lá. Não só. Mais de cem, das 500 maiores companhias do ranking da revista Fortune, também dependem. Nas contas do próprio governo ucraniano, o número de profissionais altamente especializados que trabalham para empresas de fora passa de 200 mil. É gente que conhece como poucos nanotecnologia, blockchain, inteligência artificial e até design de games.
Essas pessoas, hoje e nos próximos dias, estarão mais preocupadas em encontrar comida nos supermercados, buscar abrigos antiaéreos e, se der, fugir do país. Ou ingressar nas Forças Armadas como combatentes hackers. É impossível a economia digital do mundo não ser afetada.
A Rússia não fica para trás. O Belfer Center, da Harvard Kennedy School, elaborou um ranking de poder cibernético nacional. Os EUA encabeçam, a China vem em segundo, seguida do Reino Unido. A Rússia é a quarta maior potência do mundo quando o assunto é defesa ou ataque pelos caminhos da tecnologia.
Na terça-feira, o governo britânico alertou empresas e organizações do Reino Unido para que reforcem com urgência suas defesas digitais. O Banco Central Europeu distribuiu para todo o sistema financeiro da União Europeia um alerta similar. No último dia 16, o governo americano mandou a mensagem para quem quisesse ouvir — haverá uma escalada de insegurança digital nas próximas semanas e meses.
O mundo mudou.
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