quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

INCITAÇÃO AO CRIME

Marcelo Barone, ge — Rio de Janeiro

O que pode acontecer com Wallace? Juristas respondem

Jogador pode ser enquadrado no Artigo 286 por Incitação ao Crime, que prevê prisão de até seis meses ou multa. Na esfera esportiva, o atleta pode ser demitido por justa causa do Cruzeiro, perder patrocínios e ser banido do esporte

Incitação ao Crime. É no Artigo 286 do Código Penal que o oposto Wallace de Souza, jogador de vôlei do Cruzeiro, poderá ser enquadrado após realizar uma enquete nas redes sociais perguntando se os seguidores atirariam no rosto do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E a punição não para apenas no âmbito criminal. Na esfera esportiva, o oposto poderá ser banido da modalidade, ser demitido pelo clube por justa causa e perder patrocinadores. Esta é a visão de dois juristas consultados pelo ge.

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Incitar, publicamente, um crime, é uma ação de menor potencial ofensivo, conforme explica o advogado criminal João Carlos Castellar, doutor em Direito e presidente da Sociedade dos Advogados Criminais do Estados do Rio de Janeiro (SACERJ), em entrevista ao ge. A pena está prevista no Código Penal - inclui detenção de três a seis meses ou multa - porém, pode ser transformada em prestação de serviços à sociedade.

- Incitar publicamente a prática de crime prevê uma pena de detenção de três a seis meses ou multa. A lei prevê inúmeras possibilidades, como transformar a pena em prestação de serviços à comunidade. A pena máxima é de três a seis meses ou multa. Quando ele divulga, promove uma enquete, para saber dos seguidores dele quem daria um tiro na cara do presidente Lula... E mesmo que fosse de outra pessoa. Não se deve fazer enquete para dar tiro na cara de ninguém. Isso é de uma gratuidade violenta incomum. É inaceitável. Ele está sujeito a essas penas e aos procedimentos correspondentes.

O fato de Wallace estar em um clube de tiro, empunhando uma arma, não é um agravante, e sim, disseminar a mensagem através das redes sociais. Apenas no Instagram, o campeão olímpico soma 358 mil seguidores.

- O agravante está no fato de divulgar pela internet, que tem uma amplitude muito grande. Uma enquete dessas na rede mundial de computadores, sendo ele uma pessoa com ampla visibilidade, em uma zona de luminosidade, por ser um atleta do vôlei... Está incitando as pessoas à prática de crime. Não necessariamente as pessoas irão dar um tiro na cara do presidente Lula. Há uma distância. Mas, quando se estimula esse tipo de comportamento, que é uma violência... É uma incitação de uma prática de um ilícito, como lesão corporal, homicídio - explica João Carlos Castellar.

Castellar acredita que Wallace deverá ser convocado para dar esclarecimentos na delegacia, mesmo que tenha deletado o post e pedido desculpas nas redes sociais.

- O ideal é que seja chamado à delegacia para prestar esclarecimentos. Provavelmente foi algo de mau gosto. Ele se desculpando, se manifestando publicamente, reconhecendo... Tem que se retratar na polícia, e o Ministério Público vai avaliar se essa retratação é razoável. Não é uma retratação como quem dá um "encontrão" em uma pessoa no corredor do shopping. Não pode ser uma desculpa pro forma (por mera formalidade) na internet. Isso tem que ser feito na polícia, porque a conduta dele foi errada.

Âmbito Esportivo

Na esfera esportiva, os efeitos são mais rápidos. De acordo com o advogado Fernando Barbalho, professor de Direito Esportivo, Wallace pode perder patrocinadores, ser demitido por justa causa (já está suspenso pelo Cruzeiro) e até processado pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na "pessoa física".

Perda de patrocínio

O prejuízo financeiro é um dos reflexos imediatos em casos como este. O campeão olímpico, caso seja patrocinado por alguma empresa, poderá perdê-la, afinal, como explica o jurista, as marcas desejam atrelar suas imagens a atletas com uma conduta ilibada.

- O Wallace é campeão olímpico, atleta da seleção brasileira e, provavelmente, tem patrocínios pessoais. Nestes contratos de associação de marcas com imagem de atleta, normalmente, tem uma cláusula moral, que exige um padrão mais elevando de comportamento. Quando uma marca se associa, ela quer passar uma imagem positiva, de bons valores. Essa cláusula exige que o atleta não se envolva em comportamento criminoso, em questões polêmicas, que não tenha postura ofensiva às minorias... Esse envolvimento com uma incitação de violência pública pode gerar uma rescisão. Isso é muito comum.

Demissão do Cruzeiro

O clube mineiro anunciou, nesta quarta-feira, o afastamento de Wallace por tempo indeterminado. A instituição, entretanto, pode ir além. Fernando Barbalho explica que o comportamento do jogador, eventualmente, poderia acarretar uma demissão por justa causa

- A segunda questão diz respeito ao vínculo trabalhista junto ao Cruzeiro. O clube, eventualmente, pode enquadrá-lo em demissão por justa causa. A justa causa está no artigo 482 da CLT, que prevê que uma incontinência de comportamento público pode gerá-la. O atleta não é visto, hoje em dia, apenas como mais uma peça de desempenho esportivo. Tem exploração da imagem para angariar patrocínio, transmissão de televisão... A agremiação esportiva também pode exigir do atleta um comportamento que não prejudique a sua imagem. O Cruzeiro pode se sentir prejudicado pelo comportamento do Wallace, que pode respingar na prospecção de patrocínio, na percepção pública, gerar prejuízos à marca do Cruzeiro.

Expulsão da rede social

A postagem de Wallace no Instagram foi apagada depois que a repercussão negativa viralizou. O perfil do atleta segue ativo na rede social, mas, Fernando Barbalho não descarta que haja uma suspensão pela postura que destoa das diretrizes da empresa.

- É um procedimento extrajudicial, quase que administrativo... um pedido junto à plataforma, de suspensão ou banimento da conta do atleta no Instagram. É um procedimento privado. A AGU apresentaria um pedido junto ao Instagram, pois a plataforma tem suas regras.

Danos Morais

Embora a enquete criada por Wallace tenha sido direcionada ao Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o jurista diz que o presidente, enquanto "pessoa física", poderia processar o jogador por danos morais.

- Outra especulação que se pode fazer é o presidente Lula, como pessoa física - Luiz Inácio Lula da Silva -, pleitear uma indenização por danos morais infligidos a ele. Isso é algo um pouco mais a longo prazo. Em um clima conflagrado no país, aparecer uma figura pública dando a entender que é legal cogitar atirar no presidente, isso pode gerar, na pessoa do Lula, um temor justificado. Ele pode se sentir envolvido em uma situação de angústia profunda, de sofrimento pessoal, fora do comum. Embora a jurisprudência diga que um político precisa "aguentar" abordagens mais agressivas da crítica pública, esse caso me parece passar dos limites de uma crítica jocosa ou de questionamentos de políticas públicas. Nesse caso, o que houve foi somente a cogitação de atirar no presidente. Ainda mais no clima que estamos vivendo no país. O presidente pode se sentir afetado em sua tranquilidade, na sua paz de espírito, e cobrar uma possível indenização por danos morais. Seria uma ação individual do Lula contra o atleta.

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