O Ministério dos Direitos Humanos extinguiu a Ordem do Mérito Princesa Isabel e, no mesmo dia, criou o prêmio Luiz Gama. À primeira vista, acabou com um crachá criado por Bolsonaro e exaltou a figura de um abolicionista negro. Com a simultaneidade, o governo praticou um ato mesquinho e inútil. Bolsonaro gostaria de ver um Brasil sem Luiz Gama. O comissariado quer um Brasil sem o crachá de Isabel. Os dois fazem parte da mesma História. Mutilando-a, ninguém ganha.
Uma coisa sé criar um prêmio para exaltar a memória de Gama, um negro vendido em 1840 pelo próprio pai branco. Ele fugiu, formou-se em Direito, e lutou pela abolição, conseguiu a libertação de centenas de negros e morreu em 1882, sem vê-la. Bem outra é cassar a Ordem do Mérito de Isabel. Nenhum poder da República poderá apagar o fato de que foi ela, como regente durante viagens do pai, quem assinou as leis do Ventre Livre, em 1871, e da abolição, em 1888. As duas iniciativas haviam sido aprovadas pela Câmara e pelo Senado.
Isabel foi uma princesa carola, apagada pela figura de D. Pedro II. Salvo um acidente ocorrido na sua juventude, quando furou um olho de uma amiga, nunca fez mal a ninguém. Para horror de alguns cortesãos, era amiga do engenheiro negro e abolicionista André Rebouças. Ele registrou em seu diário que no dia 4 de maio de 1888, a princesa mandou construir um abrigo para 14 negros fugidos. (Em maio de 88, a Abolição era fava contada. Vale lembrar que, em março, fazendeiros paulistas espancaram e mataram o promotor Joaquim Firmino de Araújo Cunha diante de sua família, por proteger negros fugidos.)
Se o comissariado petista não gostou da criação da Ordem do Mérito Princesa Isabel, bastava que a esquecesse, não concedendo o crachá.
A simultaneidade da cassação da Ordem com a instituição do prêmio Luiz Gama foi uma mesquinharia. Eles pertencem a mundos diferentes, a princesa viveu no andar de cima. Gama batalhou no de baixo. Defendia escravizados, denunciava os crimes de fazendeiros. Foi um radical.
No abolicionismo branco de figuras ilustres como Joaquim Nabuco há o combate à escravidão. No de Luiz Gama estão negros de carne e osso, como Brandina, Antonio e Raimundo.
Seus radicalismos estavam todos certos. Não só na abolição, mas também na República. Foi profético quando lembrou a D. Pedro II que o povo, num “cântico à liberdade” poderia repetir o 7 de abril de 1831, repetindo o “sinistro banimento” de seu pai. (Oito anos depois, sem que o povo entrasse na cena, Pedro e Isabel foram banidos. Eles morreriam na França).
Em 1881, um grupo de admiradores de Luiz Gama formou uma comissão para custear o pagamento de um quadro retratando-o. Eis sua resposta:
“(Empreguem) o dinheiro colhido, com algum auxílio, se precisão houver, na libertação de um escravo, que indicarei. Assim prestaremos todos à humanidade um relevantíssimo serviço, merecedor de melhor apreço, do que a tela, na qual pretendem imortalizar-me a óleo.”
Nos dias de hoje, o advogado Luiz Gama incomodaria as autoridades denunciando as sortidas policiais que matam “suspeitos”, quase sempre negros, nos bairros pobres das cidades.
Serviço: A obra completa de Luiz Gama, com 11 volumes, foi organizada e anotada pelo historiador Bruno Rodrigues de Lima. Publicada pela editora Hedra e está à venda na rede.
Boghossian disse tudo
O repórter Bruno Boghossian disse tudo:
“O governo quer enfrentar o fantasma da naftalina.”
Encrencando com a lembrança do então juiz Sergio Moro e com a princesa Isabel, não haverá naftalina que chegue quando a briga chegar a D. João VI.
Executivo previdente
Ainda não se conhecem os nomes dos diretores da rede varejista Americanas que venderam cerca de R$ 240 milhões de ações da empresa no ano passado, quando já sabiam que o negócio estava emborcado com um rombo bilionário.
Sabe-se, contudo, que pelo menos um deles transferiu o ervanário para as contas de familiares no exterior.
Pax Americanas
O anúncio de que os três grandes acionistas da rede Americanas colocarão até R$ 12 bilhões no poço da empresa esfriou o fervor de pelo menos um banqueiro contra o trio.
Aviso amigo
De um parlamentar que já viu de tudo:
—O melhor que o Senado ou a Câmara poderiam fazer por Lula seria derrubar logo uma de suas indicações ou projetos. O resultado serviria para mostrar a fragilidade de sua base parlamentar.
Soprando a inflação
Durante quatro anos, Bolsonaro sonhou com cataclismas que nunca vieram.
Com menos de cem dias de governo, Lula está soprando as brasas da inflação ao brigar com o Banco Central e ao dizer que “se não pode cumprir (o teto de 4,75%), é melhor mudar.”
Com esse tipo de declaração ele estimula as expectativas inflacionárias e aí fica uma questão: o que ele pretende com isso.
Bolsonaro sonhava com um caos que lhe permitisse tentar um golpe. Esse sonho não está no acervo de Lula.
Gentileza esquecida
Lula vai à China levando uma arca de Noé de empresários, ministros e parlamentares. Perdeu a oportunidade de incluir o ex-senador Tasso Jereissati.
Noves fora o fato de o tucano ter ajudado sua eleição, Tasso conheceu o presidente Xi Jinping em 1996, quando ele era vice-governador de sua província e visitou o Ceará à frente de uma delegação. Xi tinha muitos quilos a menos.
Campos e sua comunicação
Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, admitiu que “às vezes eu me vejo com alguma deficiência na comunicação” e prometeu melhorar.
Basta não agredir a inteligência de quem o ouve. Na sua entrevista ao programa Roda Viva, quando lhe perguntaram sobre a camiseta da seleção brasileira de futebol que vestiu ao ir votar, ou doutro respondeu:
“Voto é um ato privado.”
A pergunta tratava de sua camisa.
Bolsonaro inelegível
O julgamento da inelegibilidade de Bolsonaro será um teste de qualidade para o ministro Kassio Nunes Marques.
Ele poderá votar contra, até porque ninguém espera que vote a favor. Nesse caso, ficará com a minoria, mas jogará o jogo pelas boas regras.
Noutra possibilidade, poderá pedir vista, engavetando o processo por até dois meses.
Nunes Marques sabe o tamanho de seu prestígio no Supremo Tribunal. Se decidir jogar pelas regras dos Bolsonaro, terá feito a pior escolha.
Thomas teve um mestre
O juiz Clarence Thomas, da Corte Suprema americana, foi apanhado beneficiando-se com presentes e mordomias oferecidas por um ricaço. O doutor disputa com folga o título de pior juiz da Corte em várias gerações. Ficou famoso pelo seu silêncio durante as sessões.
Por pior juiz que seja Clarence Thomas, ele herdou o gosto pelas boquinhas de Antonin Scalia, o brilhante conservador do tribunal. Ele gostava de caçar e pescar. Morreu durante a noite numa pousada de luxo. Fez pelo menos 85 viagens nas quais quase sempre o jatinho era patrocinado.
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