Passado o ano, as listas pessoais de desejos, nada mais a fazer do que encarar a realidade. Mesmo um tipo de realidade sobre a qual nada podemos fazer: as eleições nos Estados Unidos, o esforço da China para anexar Taiwan. Até na guerra no Oriente Médio, tudo o que pudemos fazer foi sofrer e reclamar, exceto, é claro, a iniciativa oficial de trazer brasileiros de Israel, da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.
O ano entrou com o terremoto no Japão. É um ano de eleições municipais no Brasil. Pensei em ligar o progresso japonês em prevenção e resposta aos grandes eventos naturais a um debate sobre as cidades brasileiras. As mudanças climáticas estão aí, é preciso tirar gente de área de risco, preparar comunidades para uma resposta de emergência.
No primeiro artigo que escrevi no ano cheguei a sugerir que bons planos nesse campo poderiam sonhar com financiamento internacional. Afinal, é o esforço de adaptação às mudanças, e já no Acordo do Paris se falou numa verba para financiá-lo.
Confesso que senti uma ducha de água fria quando vi o Congresso aprovar uma verba de quase R$ 5 bilhões para financiar a campanha eleitoral. É algo distante de nossa realidade e muito distante também de quem se dispõe a considerar as mudanças climáticas e a necessidade de transitar para outro tipo de economia, outro tipo de produção e consumo.
Os gastos eleitorais são previstos como se tivéssemos uma fortuna para esbanjar, como se a tecnologia não tivesse simplificado a relação com o eleitor, como se imaginação fosse banida das eleições e houvesse lugar apenas para grana, muita grana.
A esta altura, creio, já não adianta reclamar. As coisas acontecem, surgem rapidamente no noticiário, desaparecem, e você se torna um chato se ficar repisando.
As mudanças climáticas e o El Niño não nos darão trégua neste ano. Será preciso insistir em algumas teses, ainda que os políticos não as ouçam. É preciso se adaptar, fazer planos, fortalecer a Defesa Civil, educar a população, sobretudo em áreas vulneráveis.
Outro dia, numa reunião no Senado, soube que a Defesa Civil de Santa Catarina se inspira no Japão. Reconheço que não podemos transplantar a mentalidade japonesa, muito menos investir como eles na resiliência urbana.
Existem algumas ilusões que precisam ser desfeitas. Uma delas é supor que temos muito poucos recursos para realizar esses planos. Podemos não ter abundância, mas existem recursos, e mais existiriam se aceitássemos a realidade e os usássemos racionalmente.
Outra ilusão é supor que os brasileiros sejam totalmente refratários à preparação para desastres. Ela parte do princípio de que a indisciplina faz parte de nossa natureza.
Entrevistando algumas brasileiras no Japão, ouvi delas que estão perfeitamente integradas ao trabalho de resposta rápida, fazem simulações e seguem à risca todo protocolo que os japoneses adotam. Isso é válido para toda a colônia brasileira no Japão.
Se começarmos um trabalho de treinamento nas escolas, as próprias crianças podem transmitir ensinamentos para suas famílias. Quando deputado, apresentei um projeto nesse sentido. Não foi aprovado, mas creio que funcionaria melhor se fosse uma disposição das próprias cidades. Talvez nem precise de lei, mas de estímulo, uma espécie de concurso entre escolas.
No encontro no Senado, Esperidião Amin lançou a ideia de premiar cidades com os melhores planos de prevenção e resposta. Se for algo substancial, pode atrair prefeitos. Tudo vale para mudar o quadro no Brasil. Anualmente, somos atingidos pelos eventos naturais, perdemos gente e quase não nos sentamos, como fazem os japoneses, para avaliar nossa vulnerabilidade e tentar reduzi-la.
O ano eleitoral começou com um terremoto à distância e previsões pessimistas sobre o El Niño, num contexto de aquecimento global. Não importam as dificuldades nem o perigo de parecer chato, mas é necessário insistir com políticos e eleitores. Alguma coisa está acontecendo. Por favor, tragam seus guarda-chuvas para a tempestade que nos espera.
Artigo publicado no jornal O Globo em 08/01/2024
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