sexta-feira, 23 de agosto de 2024

QUAL É O TETO DE PABLO MARÇAL ?

César Felício, Valor Econômico

Ascensão de ‘coach’ alimenta cenário de pós-bolsonarismo

Quando e onde Pablo Marçal (PRTB) irá parar? Essa é a pergunta única na eleição para prefeito de São Paulo, reforçada pela pesquisa Datafolha desta quinta-feira e já antevista pelo levantamento AtlasIntel de quarta-feira. Para ficar nos dados do Datafolha, Marçal tinha 7% em maio, foi para 10% em junho, 14% em julho e 21% agora. O deputado federal Guilherme Boulos (Psol) está numericamente à frente, com 23%, mas patina: em maio tinha 24%. Marçal claramente tira votos de prefeito Ricardo Nunes (MDB), que desceu de 23% para 19%, e esse mês também de José Luiz Datena (PSDB), que foi de 14% para 10%.

Não há muito segredo sobre o crescimento. Marçal se destacou nos dois primeiros debates entre os candidatos por agressões contra seus rivais sem apresentação de evidências para sustentar suas "acusações". Caracterizou Boulos como consumidor de cocaína, Tabata Amaral (PSB) como "para-choque de comunista" e o prefeito como político tacanho e rendido ao sistema político. Buscou seduzir a direita simulando uma proximidade com o ex-presidente Jair Bolsonaro de que não dispõe. Simultaneamente inundou as redes sociais com os "cortes" dos debates e estimulou seus seguidores a viralizarem suas publicações. De acordo com notícia divulgada pelo jornal "Folha de S.Paulo", há indícios de que em troca de vantagens financeiras.

Quem assistiu um episódio da minissérie "Black Mirror", de 2013, talvez não tenha se esquecido do ursinho Waldo. Waldo era um personagem de desenho animado, que interagia com personagens reais, no caso políticos desavisados que compareciam a um talk show. Eram humilhados e insultados no ar, de forma ultrajante, e não conseguiam reagir. O ursinho vira um fenômeno nas redes sociais e entra em uma campanha para deputado no Reino Unido. Termina em segundo, em um clima de intensa intolerância política. E no tempo dessa minissérie as redes sociais engatinhavam.

O "momento Waldo" da eleição de São Paulo catapultou Marçal para a liderança, por enquanto compartilhada. Mas agora começa uma fase difícil para ele. O candidato tornou-se alvo de intenso noticiário negativo e, ao contrário de seus adversários, não dispõe de horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão. Conta com um time de advogados para tentar cavar direitos de resposta ao bombardeio que com certeza sofrerá de seus adversários, especialmente de Boulos, que precisa tentar descredenciá-lo como forma de se blindar dos ataques do coach do PRTB. Em 2018 a campanha negativa contra Bolsonaro foi sustada depois que um ex-militante do Psol, com problemas mentais, tentou assassiná-lo em Juiz de Fora (MG). Agora não há freios contra Marçal.

O "coach" também não tem um esquadrão de candidatos a vereador e nem fundos de campanha para chegar a determinadas camadas do eleitorado menos sujeitas a fenômenos digitais. E seu avanço pela direita pode ser contido caso Bolsonaro se mobilize contra ele. O ex-presidente parece sentir incômodo com o crescimento dessa variante em seu terreno que está fora de seu controle. Antonio Lavareda, cientista político do Ipespe, lembra que a conjuntura de São Paulo em 2024 é bastante diferente da do Brasil em 2018, tão favorável a "outsiders".

"Marçal é uma varietal da mesma uva, mas não da mesma safra", comenta, ao compará-lo com fenômenos como Bolsonaro há seis anos, João Doria e Alexandre Kalil em Belo Horizonte há oito. E o clima é diferente. Não há uma crise econômica como a que havia entre 2016 e 2018, nem um colapso político, nem um fator disruptivo como a Lava-Jato. Essas limitações sugerem que o teto de Marçal pode estar próximo do observado nessa rodada de pesquisas.

Será o suficiente para colocá-lo no segundo turno? É possível. Com a fragmentação do eleitorado paulistano em quatro candidaturas acima de dois dígitos, o sarrafo baixa. Para Boulos ir ao segundo turno em 2020 bastou 20,2% dos votos válidos, ou apenas 12% dos votos totais. A eleição de 2020 talvez não seja parâmetro porque a epidemia de covid-19 aumentou a abstenção, mas em outra eleição fracionada, a de 2000, Paulo Maluf foi ao segundo turno com 17,4% dos válidos e 13,4% dos totais.

Nunes tem dois desafios para reagir a Marçal: engajar Jair Bolsonaro na campanha e aguardar pelo esvaziamento de José Luiz Datena. Datena, que despencou de 14% para 10% depois de seu desempenho mirim nos debates, concentra uma boa base de seu eleitorado no voto conservador de baixa renda (evangélico até dois salários mínimos e com ensino até o fundamental). Este eleitorado conhece Datena há décadas da televisão e do rádio e talvez não se impressione tanto com o despreparo político do tucano. Se Datena não derreter, e talvez não derreta, bloqueia um eleitorado que poderia ir com facilidade para o prefeito.

Boulos está muito aquém do seu eleitorado potencial, que é o lulista. Tem espaço para reagir caso o presidente e o PT se engajem em sua campanha. Mas a campanha de destruição promovida por Marçal fez subir sua rejeição para 37%, a mais alta entre os candidatos, o que pode comprometer suas possibilidades em um segundo turno, em qualquer cenário. A Folha não testou um cenário entre Boulos e Marçal no segundo turno, mas o fato de sua rejeição estar três pontos percentuais acima da do candidato do PRTB sugere um prognóstico imprevisível.

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