sexta-feira, 30 de agosto de 2024

QUEIMANDO MATA E DINHEIRO PÚBLICO

Artigo de Fernando Gabeira

Discutir o Orçamento nacional, para muita gente, é algo tão excitante como uma reunião de condomínio. No entanto, o País está em chamas, e nos últimos meses perdemos mais de R$ 10 bilhões com o avanço das mudanças climáticas, a ausência de políticas preventivas e algumas atividades criminosas. Foram as cheias do Sul e seca e queimadas na Amazônia, no Pantanal e em São Paulo, para mencionar apenas alguns casos.

O dinheiro que o governo arrecada precisa resolver uma série de importantes problemas que vão desde o combate à fome até a gestão do sistema de saúde, passando, entre outros, pelos gastos astronômicos da máquina administrativa. O que se vê no noticiário é uma grande disputa por verbas entre governo e Congresso, mas quase nenhuma discussão sobre a qualidade dos gastos no Brasil.

Nos últimos anos, deputados e senadores se apossam de uma fatia cada vez maior bolo. Só em emendas individuais, investem de forma independente R$ 27 bilhões. Há, ainda, emendas de bancadas e emendas de comissões, que, juntas, somam mais de R$ 20 bilhões.

A tendência é supor que todo esse dinheiro é bem empregado. Mas não há fiscalização adequada. É possível que exista redundância: lugares com dinheiro de sobra, lugares com dinheiro de menos, tudo ao sabor da correlação de forças no próprio Congresso que não expressa as necessidades reais do País.

Quando houve as cheias no Rio Grande do Sul, constatou-se que apenas uma deputada numa bancada de 31 havia destinado emendas para prevenção de enchentes.

Num país com uma estrutura partidária tão fragmentada, presidentes eleitos dificilmente chegam ao poder com maioria parlamentar. Isso já se tornou uma segunda natureza, os próprios deputados lutarão desesperadamente pelas suas emendas. No entanto, é preciso ressaltar que em países presidencialistas, como Estados Unidos e México, ou mesmo semipresidencialistas como a França, os deputados têm um grande poder na definição do orçamento, na aprovação dos programas de investimento do governo. Mas não dispõem de uma parte do dinheiro para investir de forma independente.

Talvez um momento de colocar esta discussão com mais capacidade de atrair a opinião pública seja no próprio processo eleitoral de 2026.

Não adiantará o candidato a presidente prometer que faz e acontece porque suas possibilidades são limitadas. Pelo menos 20% dos investimentos públicos serão feitos pelos parlamentares, fragmentária e desorganizadamente.

Por enquanto, o caminho é conseguir pelo menos que as emendas sejam transparentes e rastreáveis. É um pouco constrangedor que um princípio constitucional tenha mobilizado o Supremo Tribunal Federal (STF) e o próprio governo para afirmar o óbvio, escrito numa Constituição que todos juraram defender em sua posse, inclusive os próprios deputados.

Artigo publicado no Estadão em 30/08/2024

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