Os resultados das eleições municipais não revelam mudança de preferências políticas, mas o domínio de partidos
Abundam os chavões explicativos sobre os resultados das eleições municipais nas diversas regiões do país. Um deles é o mito do Nordeste vermelho, a partir do qual se buscaria dar conta de um suposto "DNA político" na região. Na realidade, o padrão de voto para o Legislativo federal na região não exibia nenhuma especificidade clara em termos partidários. Dois terços dos representantes do Nordeste na Câmara pertencem a legendas do núcleo duro do centrão, de centro ou centro direita, como mostrei aqui.
Em 2022, o núcleo duro do chamado centrão (PL, PP, Republicanos), somado ao PSC e Patriotas, elegeu 35% dos deputados federais. As legendas de esquerda —PT, PSB, PC DO B, Verde, Rede, PSOL, Solidariedade— lograram eleger 33%. Em outras palavras, o Nordeste é tão "conservador" quanto o Brasil.
Na eleição municipal de 2024, em Pernambuco e Santa Catarina, o PT elegeu o mesmo percentual de prefeitos: 3%! Em 2022, Alagoas, Rio Grande do Norte e Maranhão, o bloco conservador elegeu 75% dos deputados federais. Em Sergipe, nenhum candidato dos partidos de esquerda foi eleito. Em Santa Catarina, o PT elegeu 2.
Na realidade, os resultados das eleições municipais não revelam mudança de preferências políticas, mas sim o domínio congressual destes partidos e uma forma peculiar de governismo na região, o qualunquismo, como argumentei aqui.
Seu fortalecimento —sobretudo do PL— deve-se em larga medida a Bolsonaro ter chegado à Presidência. Não é por outra razão que ele teve em 2022, em relação a 2018, ganhos muito maiores no Nordeste (16,5% na média) que em outras regiões. O que há de novo é o mecanismo —as emendas parlamentares, em patamar, de fato, inédito, ao tempo em que a força gravitacional do presidente mingou.
O segundo equívoco é ignorar o papel dos governadores. O PT acaba de eleger 248 prefeitos (primeiro turno), um crescimento em relação a 2020, quando conquistou 182 prefeituras. No Nordeste, conquistou 168 municípios, contra 91 em 2020; 65 (84%) dos 77 novos prefeitos petistas estão em cidades pequenas na região. Mais importante: esse crescimento se concentrou nos três estados que o partido governa: Piauí, Ceará e Bahia. Os ganhos nacionais do PT explicam-se fundamentalmente pelo controle de governos estaduais.
O fenômeno não se restringe ao PT. O surpreendente desempenho de João Campos em Recife deixou escapar aos analistas uma questão essencial: ele obteve quase 80% de aprovação, mas o PSDB que ascendeu ao governo estadual em 2022 elegeu 31 prefeitos, ante 5 em 2020, um aumento de 520%. Em Maceió, o adversário do clã Calheiros, JHC (PL), obteve 83% dos votos, mas o clã fez 65 prefeitos com o MDB no estado. Tampouco é inédito. Em 2012, o PC do B elegeu cinco prefeitos no Maranhão. Em 2016, após Flávio Dino tornar-se governador, 46.
A exceção ao padrão são as capitais, onde os governadores não são decisivos. Adversários dos governadores foram bem-sucedidos em Teresina, Recife, Alagoas e Salvador, e estão no segundo turno em Fortaleza e Natal. A variável chave aqui é a centralidade maior do governo estadual na política na região, e não supostas preferências políticas regionais. Nos estados pobres, o governador controla a máquina que alimenta as redes políticas locais.
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