sábado, 12 de outubro de 2024

'QUE PORCARIA DE LÍDER É ESSE ?'

Pablo Ortellado, O Globo

Em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, o pastor Silas Malafaia fez duras críticas a Jair Bolsonaro. Chamou-o de “covarde e omisso” por não ter oferecido resistência a Pablo Marçal. Segundo Malafaia, o ex-presidente se omitiu nas eleições em São Paulo para “ficar bem com seus seguidores”.

— Que porcaria de líder é esse? — questionou o pastor. — O líder pode ouvir, mas não pode basear suas decisões na opinião da maioria em redes sociais. Ele tem que basear suas decisões em princípios!

Foi Bolsonaro, de fato, um líder omisso?

A entrada de Marçal na política foi o acontecimento mais marcante das eleições de 2024. Aproveitando a corrida para a Prefeitura de São Paulo, ele se posicionou como verdadeiro candidato antissistema, em contraste com Bolsonaro, que se comprometera a apoiar o atual prefeito, Ricardo Nunes, candidato do Centrão. Nesse cenário, Marçal se projetou como mais “bolsonarista” que o próprio Bolsonaro — um movimento delicado, mas que ele soube conduzir com habilidade.

Sua campanha foi estrategicamente desenhada. Marçal se firmou como candidato da direita antissistema, mas evitou amarrar essa identidade a propostas políticas concretas, permitindo que qualquer eleitor descontente se identificasse com ele. Era contra os partidos tradicionais, contra o “consórcio comunista” que dizia dominar as estruturas de poder, mas não a favor de algo específico, de maneira que qualquer um que se sentisse oprimido pelas elites podia projetar nele as suas aspirações. Sua atitude impertinente e destrutiva — que tanto irritou jornalistas e formadores de opinião — apenas reiterava, na forma, essa identidade antissistema e antielites.

Bolsonaro tinha um problemão diante de si. Malafaia está errado ao dizer que, a um líder, cabe conduzir e que, portanto, o ex-presidente deveria ter levado seus apoiadores para longe de Marçal. A liderança não é uma relação de comando, mas de autoridade. Para conduzir, o líder precisa também acomodar os sentimentos da base, sob o risco de perder legitimidade. Bolsonaro não tem muito estudo, mas é dono de uma inteligência política intuitiva e entendeu isso melhor que Malafaia. O amplo apoio dos bolsonaristas à candidatura de Marçal, a despeito do apoio oficial de Bolsonaro a Nunes, mostrou ao ex-presidente que caminhava em terreno minado. A estratégia dele para atravessar esse terreno foi a ambivalência.

Malafaia viu nessa ambivalência uma fraqueza, um traço de vaidade. No entanto essa hesitação foi fundamental para Bolsonaro manter sua liderança sobre o movimento conservador. Desde 2018, foi a primeira vez em que ele enfrentou uma ameaça real à sua hegemonia na direita. Isso o levou a um movimento de vaivém com Marçal. Quando Nunes resistia a abraçar o bolsonarismo na campanha, Bolsonaro dizia que Marçal era capaz e bem-intencionado. Depois, reafirmou o apoio a Nunes, mas de maneira discreta, sem correr o risco de alienar os eleitores conservadores que já haviam consolidado posição a favor do empresário.

Marçal também se valeu da ambivalência para crescer. Ele precisava conduzir os conservadores para si, respeitando a identificação anterior que tinham com Bolsonaro. Por isso em nenhum momento desafiou Bolsonaro explicitamente. Colocou-se como aquele que faria a coisa certa, já que os compromissos políticos do ex-presidente o haviam deixado de mãos atadas. Apresentava-se como seguidor, ao mesmo tempo fiel e rebelde, que desobedecia ao líder, mas apenas para servir à sua causa de maneira mais pura. Essa postura se expressava na famosa declaração em que disse: “Desculpa, capitão, mas não posso deixar os comunistas vencerem”.

Houve, assim, duas ambiguidades estratégicas. De um lado, a de Bolsonaro, que apoiava oficialmente Nunes, mas não deixava de expressar simpatia por Marçal. De outro, a de Marçal, que desobedecia a Bolsonaro, mas em tese apenas para melhor realizar a missão bolsonarista. No cruzamento das duas ambiguidades estão os eleitores de Bolsonaro que votaram em Marçal. São eles que poderão definir o futuro do movimento conservador.

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