terça-feira, 31 de dezembro de 2024

GOOGLE, O NOVO 'INIMIGO DO POVO'

Editorial O Estado de S. Paulo

Erro do buscador na cotação do dólar é tratado pelo governo como conspiração contra o Brasil

No dia 25 de dezembro passado, quem pesquisasse a cotação do dólar no Google obtinha como resposta o valor de R$ 6,35, nada menos que R$ 0,20 acima da cotação real. Tratava-se de algo sem muita relevância, a não ser para o circo das redes sociais, e o erro foi logo corrigido, mas o governo de Lula da Silva, empenhadíssimo em demonstrar que a moeda brasileira está sob ataque especulativo das forças ocultas do mercado, parece inclinado a tomar esse caso como prova de suas teorias da conspiração – e, de quebra, ainda pretende fustigar uma das principais Big Techs, empresas que, segundo Lula disse numa entrevista à TV Record em julho passado, ganham dinheiro “disseminando inverdades”.

A Advocacia-Geral da União (AGU) decidiu reunir subsídios para eventual atuação relacionada à informação incorreta e solicitou dados ao Banco Central (BC). De acordo com reportagem do Estadão/Broadcast, a intenção seria acionar a plataforma judicialmente.

Muitos fatores levaram à disparada do dólar. Mas nenhum deles pesou tanto quanto a timidez do pacote fiscal e a falta de empenho do Executivo em defendê-lo. O Palácio do Planalto, porém, decidiu recorrer à surrada tática lulopetista de inventar complôs de “inimigos do povo”, em vez de assumir a responsabilidade pela deterioração cambial, inflação fora da meta e trajetória de alta da dívida pública. Aos poucos, o governo vai construindo sua narrativa de vitimização.

Se há uma vítima, há um algoz, e esse algoz tem nome e sobrenome: “Faria Lima”. Como se fosse uma sociedade secreta que opera nas sombras para destruir o País, a “Faria Lima” inventada pelos petistas cria e dissemina desinformação por meio de seus cúmplices nas Big Techs.

O ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta, chegou a ir às redes sociais dizer que “a indústria das fake news está trabalhando mais uma vez contra o Brasil”, por causa de uma declaração falsamente atribuída a Gabriel Galípolo, futuro presidente do BC, de que consideraria “artificial” a alta do dólar. Galípolo desestimulou esse devaneio, mas a indústria petista de distorção da realidade para seus propósitos políticos é imparável. A investida da AGU parece fazer parte desse esforço.

O órgão enviou ofícios à Polícia Federal (PF) e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nos quais pediu a instauração de “procedimentos policial e administrativo” a fim de investigar fake news de redes sociais. Depois disso, voltou a artilharia contra o Google por causa da cotação do dólar. No despacho em que a Procuradoria-Geral da União registra a solicitação da AGU, lê-se que o assunto é “defesa do Estado e das instituições democráticas”. Nada menos.

É bastante improvável que toda essa patranha resulte em alguma coisa prática, mas sua utilidade já se tornou evidente: ajuda a alimentar a farsa segundo a qual o País está sob ataque e que, não fosse o complô dos desalmados operadores do mercado e seus sócios nas Big Techs contra Lula e o governo do PT, o Brasil estaria voando.

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