Depois de atribuir a má recepção do pacote fiscal a
ruídos de comunicação, Haddad reconhece haver ‘inconsistência’ na promessa de
isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a reforma
tributária sobre a renda será enviada ao Congresso em 2025. Segundo ele, a
intenção do governo era remetê-la ao Legislativo ainda neste ano, mas a equipe
econômica percebeu que o modelo apresentou uma “inconsistência” que deverá ser
corrigida pela Receita Federal antes de remeter o projeto de lei ao
Legislativo.
O ministro não deu muitos detalhes sobre essa
“inconsistência”, mas aparentemente ela não tem nada de trivial. O imbróglio se
deve à promessa de isentar do Imposto de Renda (IR) os trabalhadores que ganham
até R$ 5 mil mensais. Essa perda deveria ser compensada pela taxação mínima de
10% para aqueles que recebem mais de R$ 50 mil por mês, alguns como pessoas
físicas e muitos por meio de pessoas jurídicas.
Ao rodar o modelo considerando essas mudanças, a conta não
fechou. E, agora, caberá aos auditores calibrar o sistema para manter a carga
tributária neutra, de forma a garantir que o somatório da arrecadação dos
impostos que incidem sobre pessoas físicas e jurídicas se mantenha estável após
a reforma.
De fato, não parecia crível abrir mão de uma arrecadação
líquida e certa, como a que incide sobre os salários e é retida na fonte, para
compensá-la por meio da taxação de grupos privilegiados que conseguem reduzir o
pagamento de impostos via planejamento tributário. Em ordem de grandeza,
enquanto a primeira beneficiaria milhões de pessoas, a segunda alcançaria
milhares.
Ainda que a arrecadação de uma recompusesse a perda da
outra, o correto seria apresentar notas técnicas que mostrassem como o governo
chegou a esses números. Afinal, trata-se de um reajuste e tanto considerando a
atual faixa de isenção de IR, de até R$ 2.824,00 mensais. Ao não apresentar
seus cálculos, o governo deu a deixa para que outras instituições fizessem suas
próprias contas.
Segundo a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da
Receita Federal do Brasil (Unafisco Sindical), a isenção de IR para ganhos de
até R$ 5 mil atingiria 9,6 milhões de pessoas e geraria uma perda de
arrecadação anual de R$ 51 bilhões, ampliando o universo de contribuintes
isentos para 26 milhões.
É inegável que a isenção de IR para quem recebe até R$ 5 mil
foi a grande responsável pela péssima repercussão que o pacote fiscal teve no
mercado. E o fato de que o anúncio foi feito em cadeia nacional de rádio e TV
por ninguém menos que o próprio ministro da Fazenda só piorou a situação.
Haddad, no entanto, insistia na tese de que o que havia eram
apenas “ruídos”. Era como se o mercado tivesse feito uma leitura errada do
pacote, e bastaria que o governo mostrasse esse equívoco para que o dólar e a
curva de juros futuros recuassem e a confiança fosse recuperada.
A verdade é que os investidores rapidamente perceberam que o
que havia ali não era um problema de comunicação, mas um problema de
matemática. O ministro, por sua vez, só reconheceu a “inconsistência” da
proposta depois que o pacote já havia sido aprovado e esvaziado no Congresso.
Fato é que as incertezas seguem contaminando as
expectativas, com o dólar acima de R$ 6,00 e os juros futuros a mais de 15%
para vários vencimentos. Afinal, tudo que o Executivo conseguiu foi reduzir o
ritmo de crescimento de algumas despesas, e não o corte estrutural para
preservar o arcabouço fiscal, que sinalizou ao mercado que faria entre o
primeiro e o segundo turnos das eleições municipais.
Se em 2023 o ministro encerrou o ano com a aprovação de
praticamente todas as medidas de sua agenda econômica, 2024 termina com o gosto
amargo das promessas descumpridas. Mas em vez de buscar ativamente o equilíbrio
fiscal, a única forma de reconquistar a confiança do mercado, o governo
terceiriza responsabilidades e usa a máquina pública para investigar um suposto
conluio do mercado contra sua gestão.
Enquanto celebra o crescimento do PIB e a queda do
desemprego, o governo finge não ver a inflação fora da meta. Mais útil seria
compreender que os riscos que o mercado enxerga no futuro são exatamente os
mesmos que o Executivo minimiza no presente.
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