terça-feira, 31 de dezembro de 2024

PARA O GOVERNO, 1 MAIS 1 DÁ 3

Editorial O Estado de S. Paulo

Depois de atribuir a má recepção do pacote fiscal a ruídos de comunicação, Haddad reconhece haver ‘inconsistência’ na promessa de isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a reforma tributária sobre a renda será enviada ao Congresso em 2025. Segundo ele, a intenção do governo era remetê-la ao Legislativo ainda neste ano, mas a equipe econômica percebeu que o modelo apresentou uma “inconsistência” que deverá ser corrigida pela Receita Federal antes de remeter o projeto de lei ao Legislativo.

O ministro não deu muitos detalhes sobre essa “inconsistência”, mas aparentemente ela não tem nada de trivial. O imbróglio se deve à promessa de isentar do Imposto de Renda (IR) os trabalhadores que ganham até R$ 5 mil mensais. Essa perda deveria ser compensada pela taxação mínima de 10% para aqueles que recebem mais de R$ 50 mil por mês, alguns como pessoas físicas e muitos por meio de pessoas jurídicas.

Ao rodar o modelo considerando essas mudanças, a conta não fechou. E, agora, caberá aos auditores calibrar o sistema para manter a carga tributária neutra, de forma a garantir que o somatório da arrecadação dos impostos que incidem sobre pessoas físicas e jurídicas se mantenha estável após a reforma.

De fato, não parecia crível abrir mão de uma arrecadação líquida e certa, como a que incide sobre os salários e é retida na fonte, para compensá-la por meio da taxação de grupos privilegiados que conseguem reduzir o pagamento de impostos via planejamento tributário. Em ordem de grandeza, enquanto a primeira beneficiaria milhões de pessoas, a segunda alcançaria milhares.

Ainda que a arrecadação de uma recompusesse a perda da outra, o correto seria apresentar notas técnicas que mostrassem como o governo chegou a esses números. Afinal, trata-se de um reajuste e tanto considerando a atual faixa de isenção de IR, de até R$ 2.824,00 mensais. Ao não apresentar seus cálculos, o governo deu a deixa para que outras instituições fizessem suas próprias contas.

Segundo a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Sindical), a isenção de IR para ganhos de até R$ 5 mil atingiria 9,6 milhões de pessoas e geraria uma perda de arrecadação anual de R$ 51 bilhões, ampliando o universo de contribuintes isentos para 26 milhões.

É inegável que a isenção de IR para quem recebe até R$ 5 mil foi a grande responsável pela péssima repercussão que o pacote fiscal teve no mercado. E o fato de que o anúncio foi feito em cadeia nacional de rádio e TV por ninguém menos que o próprio ministro da Fazenda só piorou a situação.

Haddad, no entanto, insistia na tese de que o que havia eram apenas “ruídos”. Era como se o mercado tivesse feito uma leitura errada do pacote, e bastaria que o governo mostrasse esse equívoco para que o dólar e a curva de juros futuros recuassem e a confiança fosse recuperada.

A verdade é que os investidores rapidamente perceberam que o que havia ali não era um problema de comunicação, mas um problema de matemática. O ministro, por sua vez, só reconheceu a “inconsistência” da proposta depois que o pacote já havia sido aprovado e esvaziado no Congresso.

Fato é que as incertezas seguem contaminando as expectativas, com o dólar acima de R$ 6,00 e os juros futuros a mais de 15% para vários vencimentos. Afinal, tudo que o Executivo conseguiu foi reduzir o ritmo de crescimento de algumas despesas, e não o corte estrutural para preservar o arcabouço fiscal, que sinalizou ao mercado que faria entre o primeiro e o segundo turnos das eleições municipais.

Se em 2023 o ministro encerrou o ano com a aprovação de praticamente todas as medidas de sua agenda econômica, 2024 termina com o gosto amargo das promessas descumpridas. Mas em vez de buscar ativamente o equilíbrio fiscal, a única forma de reconquistar a confiança do mercado, o governo terceiriza responsabilidades e usa a máquina pública para investigar um suposto conluio do mercado contra sua gestão.

Enquanto celebra o crescimento do PIB e a queda do desemprego, o governo finge não ver a inflação fora da meta. Mais útil seria compreender que os riscos que o mercado enxerga no futuro são exatamente os mesmos que o Executivo minimiza no presente.

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